VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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domingo, 22 de novembro de 2015

Parvos

Estava a chegar a uma esplanada quando a vi. Nos seus trinta e tais, impecavelmente vestida num estilo casual que deixava claro um muito bom gosto. Computador aberto sobre a mesa, um capuccino ainda a fumegar ao lado e uns óculos pretos de massa em cima de uns papéis compunham a pequena mesa de madeira da esplanada.

Olhei discretamente para a sua mão esquerda procurando uma aliança enquanto escrevia algo no teclado, mas sobre o branco dos seus dedos não havia nada.
A sua joalharia limitava-se a uma pequena pulseira entrançada que as crianças costumam fazer para os pais. Uma filha? Uma sobrinha?

O seu cabelo castanho estava apanhado por um lápis para não estorvar o seu trabalho. Eu sempre achei que as mulheres faziam isso como uma mensagem subliminar para quem as vê, ou mais ainda para quem as olha. O lápis mostra um lado despreocupado com a aparência, como se aquele aspecto fosse natural, mas mostra também que é alguém que trabalha e não é fútil. Algo que os homens fazem com o telemóvel, jogando um jogo ou vendo a sua pagina de facebook como se estivessem a ler um mail importante.

Parece que estar numa esplanada sem fazer nada é proibido ou pouco atraente.

Ela sabia que eu estava a olhar (as mulheres sabem estas coisas) e eu nem precisava de disfarçar porque me tinha sentado virado na direcção dela, mas não sem antes olhar para o céu como se aquela posição fosse a única que o sol de fim de tarde permitia.

Por baixo da mesa, tinha as pernas cruzadas de forma obliqua à minha direcção, o que a colocava numa posição que eu achava que seria desconfortável. A saia que não era curta nem comprida deixava antever umas pernas longas e bem torneadas.

O meu café chegou, agradeci a empregada e distraído, despejei meio saco de açucar e mexi durante breves segundos.
Nos breves momentos em que eu baixei o olhar para o café, ela descruzou e voltou a cruzar as pernas ao contrário; era a prova que ela sabia que eu estava a observar.

Passaram-se alguns minutos e eu continuava sem fazer absolutamente nada que não fosse observar, olhando de forma aleatória para todas as mesas mas voltando sempre à mesa dela.

Finalmente. deixei sobre a mesa o dinheiro para o café e levantei-me. Ajeitei o casado e olhei descaradamente para ela procurando um cruzamento de olhar …. Mas nada. Saí pelo lado oposto de mãos nos bolsos, esperando ser observado e caminhei devagar tentando dar um ar de segurança que eu não tinha e fui embora.

Enquanto caminhava pensava que tudo não tinha passado da minha imaginação e que ela estava somente incomodada como o facto de estar a ser observada enquanto fazia algo para o seu trabalho aproveitando esta frescura de final de tarde numa esplanada.Os meus ombros descaíram e apressei o passo.

Naquele momento, a Mulher terminava uma frase naquilo que deveria ser um diário ou algo assim:
“ Ele acaba de se levantar e ir embora. Gostava de ter tido a coragem de lhe sorrir e quem sabe, ele tivesse retribuído... Era tímido, ou simplesmente não me achou interessante o suficiente para me dirigir a palavra ou sorrir. O dia acabou e volto agora para o meu apartamento vazio. Quem sabe amanhã não seja um dia mais feliz.”

Acabou de escrever, fechou o computador, arrumou os óculos e as folhas de papel, tirou o lápis do cabelo e colocou tudo na bolsa. Levantou-se e com o olhar baixo, saiu para o outro lado da rua…


A empregada, parada no meio da esplanada suspirou: “ Parvos” e voltou para dentro.



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