Levantei-me cedo naquele dia e
como todos os dias fui direito à cozinha tomar um café. A radio já ligada, dava notícias
de trânsito e enquanto tomava o café olhava pela janela e via a chuva a cair
sobre os carros e sobre as pessoas que já circulavam àquela hora.
Lamentava, também como todos os dias,
não me ter deitado mais cedo e prometia a mim mesmo que naquela noite seria
diferente.
Depois de sorver lentamente o
café cujo aroma já impregnava a cozinha, e um pouco mais acordado, como todos os dias, via as notícias
no telemóvel enquanto me dirigia novamente para o quarto.
No quarto ainda a meia-luz, a
porta entreaberta da casa de banho deixava sair vapor do banho dela. Abri a
porta, como todos os dias espreitei, e do lado de lá do vidro fosco vi o seu corpo nu debaixo da água.
O mesmo corpo que todos os dias nos últimos 10 anos espreitei ao voltar da
cozinha. O mesmo corpo que naquela noite tinha partilhado comigo momentos de
Amor que ainda estavam presentes no cheiro que envolvia a cama.
Amava-a talvez de forma diferente
mas não menos forte do que fora o meu Amor por ela no início. Um amor que se
foi construindo com dias bons e dias maus, com desilusões e felicidade,mas que
fez o seu caminho com aprendizagens a cada dia.
Ela vestia-se e arranjava-se
enquanto eu tomava banho e talvez me espreitasse através do vidro fosco como eu
fazia todos os dias. O meu corpo já não era tão rígido como já fora e já não sentia o mesmo
orgulho em frente ao espelho mas ela fazia-me sentir um Adónis quando me tocava
e falava de mim, e isso fazia-me feliz. Por vezes precisamos de tão pouco …
Já vestida, arranjada e pronta
para sair, ela veio dar-me um beijo de despedida e não o fez sem me acariciar de
uma forma muito sexual como fazia todos os dias com um sorriso maroto antes de
ir trabalhar, ou quando chegava a casa, ou simplesmente quando lhe apetecia.
Era uma forma de dizer: “Quero-te!”. E eu retribuía ….todos os dias.
Naquele dia, ao contrario dos outros dias, eu estava atrasado e
ela saiu antes de mim e quando ela caminhava em direcção à porta eu olhei para
ela como se fosse a ultima vez e senti um arrepio que me incomodou.
Passados alguns minutos era a
minha vez de sair e já cá fora, ao lado do meu, vi a marca do carro dela ainda
meio seco e senti saudades.
Arranquei na direcção oposta à que
ela seguira minutos antes, liguei a musica e comecei a pensar no dia que ia ter
pela frente no trabalho.
Aquele dia foi quase como todos os dias …. l! E só esperava que o dia seguinte fosse outro dia em que eu iria espreitar através do vidro fosco do chuveiro como todos os dias.
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