
O que tive o privilégio de
partilhar ocupa um espaço maior na arrumação das minhas memórias e tem um lugar
de destaque na estante da minha vida. As memórias do que que vivi sozinho, por
mais belas que tenham sido, estão lá, mas noutro lugar, onde, de vez em quando,
são trazidas à superfície, para que não morram esquecidas. Viveram comigo e
morrerão comigo sem direito a orfandade. Algumas pessoas terão talvez, uma vaga
lembrança de as terem ouvido num jantar, entre dois copos, ou até numa cama
ditas em voz baixa, mas em pouco tempo desaparecerão para sempre no cemitério das
lembranças onde tantas outras jazem há milhares de anos.
Pode ser demasiada pretensão da
minha parte achar que as minhas lembranças e as minhas vivenças, teriam que me sobreviver,
mas elas são o pobre legado que aspiro a querer deixar e para isso quero
partilhá-las, quero que sejam parte da vida de mais alguém. Alguém para quem
serão também uma memória e não a vaga lembrança as ter ouvido.
Ver uma folha a cair num dia de
sol de outono pode ser mais belo que qualquer obra de arte se for vista com
quem Amamos. A sua queda lenta e baloiçada pode demorar uma eternidade no calor
de um abraço ou um segundo na amargura da solidão.
Recordo o momento único em que
sou arrebatado. Recordo que o tempo parou e tudo ficou suspenso na admiração da
beleza do que estava à minha frente.
Pode ter sido um quadro mas também
pode ter sido uma paisagem, um livro, um filme ou até um momento, porque a
beleza aparece muitas vezes onde e quando não estamos à espera.
Não me recordo dos detalhes, mas
recordo a intensidade do que senti. Recordo a contemplação, mas recordo
sobretudo, olhar para o lado e não estares.
Recordo-me de pensar que queria
que estivesses lá e de querer partilhar contigo aquilo que estava a sentir.
Tocar-te no braço para que, a força do que eu sentia, pudesse passar para ti
como uma leve corrente eléctrica que unisse os nossos dois corpos.
Queria ver o reflexo da beleza
nos teus olhos, mas infelizmente só vi o reflexo da tua ausência, na beleza do
que vi.
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