As professoras tinham um carinho
especial por ele, e ele acreditava piamente que muitas vezes só era castigado
porque elas gostavam de o ter no meio delas nos longos intervalos de recreio em
que os amigos jogavam ao Mata ou à bola. Ele sabia que era castigado, não
porque merecia ser castigado, mas como medida profilática para com o resto da
turma. Uma atitude revolucionária pode ser complicada se for na pessoa errada e
se ele era moderado e educado nas suas contestações, o mesmo poderia não
acontecer com outros e por isso os professores e a diretora cortavam o mal pela
raiz não permitindo o alastrar desse sentimento.
Naquele tempo a pedagogia era
outra e muitas vezes levou reguadas nas pontas dos dedos. Aquele gesto tão
tipicamente italiano de juntar os dedos virados para cima, ainda hoje lhe
trazem a lembrança da dor aguda e forte que sentia naqueles momentos. Num
esforço sobre humano para não chorar, de todas as vezes manteve a postura digna
de um herói de guerra vencido mas não derrotado. Havia ainda muitas mais
batalhas para lutar…..
Era bom aluno e mesmo dedicando unicamente
uma pequena parte da sua atenção ao que se passava nas aulas, era suficiente
para tirar boas notas, o que o distinguia dos habituais alunos problemáticos da
escola. O restante tempo a sua imaginação saia pela janela e vagueava ao sabor
das coisas que o apaixonavam num dado momento, voltando de repente quando
levava uma estalada de um professor ou quando um berro mais alto o trazia de
volta à realidade aborrecida da sala de aulas.
Foram tantas as vezes em que foi
castigado e em que o seu pai foi chamado à escola que já não tinham conta; o
resultado era sempre o mesmo: um bom par de bofetadas e proibição de futebol ou
de outra coisa que lhe desse prazer.
Os anos passaram e o miúdo foi-se
habituando a ser castigado na escola e a sofrer em casa a consequência da sua
irreverencia e da sua postura. Teimoso, nunca tencionou mudar de atitude em
função do resultado das suas ações nem admitia, perante qualquer autoridade,
seja ela na escola ou em casa, que estivesse errado.
Muitas vezes levou, simplesmente
porque não queria admitir que estava errado, mesmo sabendo que uma simples
palavra evitava o castigo físico e as horas de aborrecimentos fechado no
quarto.
Tudo isso seria normal se um dia
o professor não o tivesse abordado, pedindo-lhe que avisasse o pai que mais
tarde passaria em casa dele para conversar com ele.
Naquele momento, o tempo parou, e
o coração dele começou a querer sair do peito tal era a aflição que sentia.
Que teria feito para que o
professor quisesse ir a casa dele? Que queria o professor dizer aos pais?
Por mais que puxasse pela
memória, não se lembrava de nada que fosse pior do que em vezes anteriores.
Seria pela acumulação? Ele tinha bastante castigos nas ultimas semanas mas
nenhum tinha sido por nada de grave.
No fim da tarde, chegou a casa e
foi obrigado a dizer aos pais que o professor queria ir a casa deles naquele
dia ao fim de jantar. O resultado dessa confissão foi ainda pior do que ele
imaginara porque o pai queria saber a razão de tal visita e o que ele tinha
feito desta vez! Mas o miúdo não sabia e desta vez não tinha a palavra mágica
para parar o castigo. De todas as outras vezes levava sabendo que dependia dele
parar ou continuar e isso satisfazia-o de alguma forma. Dava-lhe poder. Desta
vez ele não podia fazer parar as bofetadas porque não fazia a mínima ideia do
que tinha feito de tão grave que levasse o professor a interromper o seu
descanso para ir a casa dele no final do dia.
Nesse dia levou mais que o
costume e foi com a cara marcada e com a marca do cinto do pai no rabo que
subiu para o quarto sem jantar. Nem podia clamar por injustiça porque tanto
quanto sabia o castigo podia até ser justo.
Foi com esta impotência que
espero que o professo chegasse. E ele chegou!
Chegou, entrou na cozinha, conversou
com os pais que seguramente lhe devem ter dito que ele já estava deitado, e
passado pouco tempo saiu.
Quando a porta bateu o coração
dele voltou a disparar, esperando que o pai subisse as escadas e entrasse no quarto
que dividia com os irmãos e repetisse a dose com mais fervor depois de saber a
razão da visita.
Ao fim de uma eternidade que o
pai demorou a subir os 25 degraus, a porta abriu e ele ouviu o pai dizer:
“Não veio por tua causa, queria
falar comigo sobre as férias dele em Portugal”
Seco, grave e sem mais uma
palavra, saiu como entrou.
Nesse momento, em vez de sentir a
injustiça do costume, o miúdo chorou de alívio. Entendeu o que o pai tinha
feito e sabia que o pai estaria seguramente arrependido mas naquele tempo a
pedagogia era outra e o miúdo rapidamente adormeceu.

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