O “Liceu “
Anos 1981-1985
Foram 4 anos inesquecíveis a
frequentar aquela escola.
Foi o “atravessar” da ponte que separava a “Escola”
do “Liceu”, pois eram assim que se denominavam as duas escolas secundárias desta
cidade, sem necessidade de mais nomes para identificar 2 escolas bem diferentes.
Naquela altura, ir da escola e
atravessar o rio para o Liceu era uma “declaração” inequívoca de uma forma de
ser e foi com algum receio que o fiz depois de 3 anos na “Escola” e foi com alguma
apreensão que no 1º dia, cheguei ao Liceu para passar 4 dos melhores anos da
minha vida.
Ainda mal adaptado a uma cidade
para onde tinha chegado 3 anos antes, esta nova mudança era um marco
importante.
Em 1981 com 15 anos fui para o
Liceu e foi Amor à 1ª vista.
O bar logo à entrada com aroma a
café quente e as patelas que comíamos, umas em cima das outras, faziam do Liceu
um lugar aconchegante que me fazia faltar muitas vezes à 1ª aula apesar de lá estar
desde cedo. A “indústria” de confeção de patelas organizada entre aulas, pelos
funcionários do Bar e dirigidos pelo Sr. D. permitia aviar as filas imensas de
gente que se digladiava para ver quem comia mais, de uma só vez, nos
intervalos.
Era difícil trocar o prazer de
estar no bar pelo frio dos contentores metálicos em dias de inverno e foram
nesse local, sentado nos parapeitos das janelas, alguns dos melhores momentos
naqueles 4 anos.
Tenho muitas e boas recordações
deste tempo e dos amigos que lá fiz entre alunos, funcionários e professores: …. Tantos, que não me consigo lembrar de todos
os nomes mas que faziam daquele lugar um sítio muito especial.
Daqueles Anos ficaram muitas memórias
que ainda hoje estão bem presentes:
O Rio onde íamos para namorar e
fumar e o campo de futebol onde, até ao 12ª ano, ainda íamos, como putos, jogar
à bola nos intervalos e de onde voltávamos suados, paras as aulas.
Os contentores gelados ou
demasiado quentes e as escadas das traseiras onde se namorava e apanhava sol.
A pequena sala do sótão onde
assistíamos às aulas uns em cima dos outros e as aulas de matemática do 12º ano
na sala de Teatro….
Foi Também um professor de
matemática que apareceu no meu 11º ano com habilitações falsas e foi despedido
e um professor que veio substituí-lo no ultimo mês de aulas e cuja 1ª pergunta
foi, na entrada da Sala 1 : “Sabes onde posso arranjar erva?”
Tudo Impensável em 2015 mas real
em 1983!
O Liceu era também a loja da S.
com as suas bolas de Berlim e o seu pau de marmeleiro, que me forneceu sempre
tabaco na altura da greve da tabaqueira e onde passava horas a ouvir as suas
historias e dos seus namorados de antigamente.
Era a “segurança” de estar junto
à estrada nacional, separados apenas por uma grade onde nos sentávamos a
conversar horas a fio, faltando a aulas.
Eram os torneios de futebol onde normalmente
acabava tudo em grandes discussões nos jogos contra as equipas dos professores
ou dos funcionários (ou era só a minha equipa … não me lembro)
Ainda hoje, quando passo por lá,
as saudades daquele tempo estão bem presentes e relembro com muito carinho
estes anos da minha Juventude onde me fiz homem e onde conheci algumas das
pessoas mais importantes da minha vida.
Ainda hoje não vejo o Liceu como
uma “escola” mas sim como um lugar por onde passei 4 anos e onde por acaso
também tinha aulas.
As dificuldades inerentes ao
edifício eram esquecidas e com condições que hoje seriam impossíveis, tínhamos
aulas e aprendíamos; riamos e chorávamos e fizemos daquele local a nossa 2ª
casa por alguns anos.
Talvez todas as pessoas revejam
as suas escolas como eu revejo o Liceu mas duvido que em alguma outra escola
tenham coincidido tantas coisas que fizeram da minha passagem algo de único: O
Local com a sua beleza e personalidade (diria mesmo intimidade), as Pessoas
pela sua cumplicidade e a época, quando o 25 de Abril ainda influenciava toda
uma forma de ser mais liberal e solta mas já não atrofiava.
Tudo isto fez do “Liceu” um marco
na minha vida e na de muitos outros que por lá passaram. Foi lá que construí os
meus maiores sonhos, foi de lá que parti para outras aventuras e ainda hoje é
lá que estão muitas das minhas memórias mais felizes.
Foi da frente do liceu que saia à
boleia 3 vezes por Semana para treinar, porque o tempo passado a conversar e a
namorar me fazia perder o autocarro.
Foi nas escadas imponentes do
Liceu que tropecei na minha futura mulher e mãe dos meus filhos e foi em frente
em Sala 1 que falei com ela pela 1ª vez e foi no rio que lhe dei o 1º beijo
ainda tímido.
Foi no Liceu que apanhei a minha
1º grande desilusão quando a professora C. me disse que tinha ganho o concurso
de poesia que afinal não ganhei, mas foi também no Liceu que descobri que os sonhos
não tinham limite, mesmo se o meu poema não saiu na revista do Liceu.
Nunca me arrependi de atravessar
a ponte e sei o quanto isso influenciou toda a minha vida até hoje em que
passados tantos anos, ao escrever este texto, tentando encaixar memorias, me
revejo sentado no muro do outro lado da Rua a olhar para aquele edifício cor-de-rosa,
a fumar e a esperar que o tempo passasse até à próxima aula, ou até ao próximo
beijo.
Hoje os meus filhos sabem o
quanto aquele espaço foi importante para mim e não entendem quando lhes digo
que ia para lá mesmo sem aulas e atravessava a cidade só para “estar” no Liceu.
Não entendem que aquela escola, não era uma escola:
Era o “Liceu”.
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