VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O "Liceu"

O “Liceu “

Anos 1981-1985

Foram 4 anos inesquecíveis a frequentar aquela escola.

 Foi o “atravessar” da ponte que separava a “Escola” do “Liceu”, pois eram assim que se denominavam as duas escolas secundárias desta cidade, sem necessidade de mais nomes para identificar 2 escolas bem diferentes.



Naquela altura, ir da escola e atravessar o rio para o Liceu era uma “declaração” inequívoca de uma forma de ser e foi com algum receio que o fiz depois de 3 anos na “Escola” e foi com alguma apreensão que no 1º dia, cheguei ao Liceu para passar 4 dos melhores anos da minha vida.

Ainda mal adaptado a uma cidade para onde tinha chegado 3 anos antes, esta nova mudança era um marco importante.
Em 1981 com 15 anos fui para o Liceu e foi Amor à 1ª vista.
O bar logo à entrada com aroma a café quente e as patelas que comíamos, umas em cima das outras, faziam do Liceu um lugar aconchegante que me fazia faltar muitas vezes à 1ª aula apesar de lá estar desde cedo. A “indústria” de confeção de patelas organizada entre aulas, pelos funcionários do Bar e dirigidos pelo Sr. D. permitia aviar as filas imensas de gente que se digladiava para ver quem comia mais, de uma só vez, nos intervalos.
Era difícil trocar o prazer de estar no bar pelo frio dos contentores metálicos em dias de inverno e foram nesse local, sentado nos parapeitos das janelas, alguns dos melhores momentos naqueles 4 anos.

Tenho muitas e boas recordações deste tempo e dos amigos que lá fiz entre alunos, funcionários e professores:  …. Tantos, que não me consigo lembrar de todos os nomes mas que faziam daquele lugar um sítio muito especial.
Daqueles Anos ficaram muitas memórias que ainda hoje estão bem presentes:
O Rio onde íamos para namorar e fumar e o campo de futebol onde, até ao 12ª ano, ainda íamos, como putos, jogar à bola nos intervalos e de onde voltávamos suados, paras as aulas.

Os contentores gelados ou demasiado quentes e as escadas das traseiras onde se namorava e apanhava sol.
A pequena sala do sótão onde assistíamos às aulas uns em cima dos outros e as aulas de matemática do 12º ano na sala de Teatro….
Foi Também um professor de matemática que apareceu no meu 11º ano com habilitações falsas e foi despedido e um professor que veio substituí-lo no ultimo mês de aulas e cuja 1ª pergunta foi, na entrada da Sala 1 : “Sabes onde posso arranjar erva?”
Tudo Impensável em 2015 mas real em 1983!

O Liceu era também a loja da S. com as suas bolas de Berlim e o seu pau de marmeleiro, que me forneceu sempre tabaco na altura da greve da tabaqueira e onde passava horas a ouvir as suas historias e dos seus namorados de antigamente.
Era a “segurança” de estar junto à estrada nacional, separados apenas por uma grade onde nos sentávamos a conversar horas a fio, faltando a aulas.
Eram os torneios de futebol onde normalmente acabava tudo em grandes discussões nos jogos contra as equipas dos professores ou dos funcionários (ou era só a minha equipa … não me lembro)

Ainda hoje, quando passo por lá, as saudades daquele tempo estão bem presentes e relembro com muito carinho estes anos da minha Juventude onde me fiz homem e onde conheci algumas das pessoas mais importantes da minha vida.
Ainda hoje não vejo o Liceu como uma “escola” mas sim como um lugar por onde passei 4 anos e onde por acaso também tinha aulas.
As dificuldades inerentes ao edifício eram esquecidas e com condições que hoje seriam impossíveis, tínhamos aulas e aprendíamos; riamos e chorávamos e fizemos daquele local a nossa 2ª casa por alguns anos.

Talvez todas as pessoas revejam as suas escolas como eu revejo o Liceu mas duvido que em alguma outra escola tenham coincidido tantas coisas que fizeram da minha passagem algo de único: O Local com a sua beleza e personalidade (diria mesmo intimidade), as Pessoas pela sua cumplicidade e a época, quando o 25 de Abril ainda influenciava toda uma forma de ser mais liberal e solta mas já não atrofiava.

Tudo isto fez do “Liceu” um marco na minha vida e na de muitos outros que por lá passaram. Foi lá que construí os meus maiores sonhos, foi de lá que parti para outras aventuras e ainda hoje é lá que estão muitas das minhas memórias mais felizes.
Foi da frente do liceu que saia à boleia 3 vezes por Semana para treinar, porque o tempo passado a conversar e a namorar me fazia perder o autocarro.
Foi nas escadas imponentes do Liceu que tropecei na minha futura mulher e mãe dos meus filhos e foi em frente em Sala 1 que falei com ela pela 1ª vez e foi no rio que lhe dei o 1º beijo ainda tímido.

Foi no Liceu que apanhei a minha 1º grande desilusão quando a professora C. me disse que tinha ganho o concurso de poesia que afinal não ganhei, mas foi também no Liceu que descobri que os sonhos não tinham limite, mesmo se o meu poema não saiu na revista do Liceu.

Nunca me arrependi de atravessar a ponte e sei o quanto isso influenciou toda a minha vida até hoje em que passados tantos anos, ao escrever este texto, tentando encaixar memorias, me revejo sentado no muro do outro lado da Rua a olhar para aquele edifício cor-de-rosa, a fumar e a esperar que o tempo passasse até à próxima aula, ou até ao próximo beijo.
Hoje os meus filhos sabem o quanto aquele espaço foi importante para mim e não entendem quando lhes digo que ia para lá mesmo sem aulas e atravessava a cidade só para “estar” no Liceu. Não entendem que aquela escola, não era uma escola:

 Era o “Liceu”.





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