VISTO DAQUI.... NÃO SEI

VISTO DAQUI.... NÃO SEI

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Manuel da Silva Pereira , Um homem de causas !

“Um homem de causas”, poderia estar escrito na lápide. Naquele dia, ninguém queria ou teve vontade de relembrar o passado um pouco tumultuoso do Manel.

A única exigência do Manel tinha sido que quando morresse não se esquecessem do “Da” no nome. Vá se lá saber porquê?

Manel tinha ido para o Ultramar e como muitos outros veio de lá transtornado e com uma pesada herança que nunca o iria deixar até ao fim dos seus dias.
Hoje chamam lhe Stress Pós Traumático de Guerra, naquele tempo não lhe chamavam nada.

 Foi a muito custo que conseguiu retomar uma vida “normal” quando voltou da Guiné em 64.

Lá fez-se homem, se homem quer dizer aprender a conviver com a morte, com a dor e com o sofrimento. O Manel não tinha estofo para viver aquela vida e voltar são e não conseguiu nunca expurgar de dentro de si os episódios que passara naquelas matas. Manel não tinha a capacidade de compartimentar, e desde a sua volta, na sua cabeça, tudo se misturava.

Casara logo após a sua vinda com a noiva que o esperava desde a sua partida. Tinha ficado noivo antes de partir, como muitos outros, porque necessitava manter um elo de ligação com a vida do lado de cá. Se amava ou não, só ele o saberia mas pouco importava agora. No casamento a noiva tinha tido a estranha sensação de casar com um estranho, o tempo viria a dar-lhe razão.

De pessoa alegre e extrovertida, passou a ser uma pessoa reservada, fechada e sobretudo passou a ser um homem de causas mesmo que as causas não fossem as dele. Em pouco tempo tornou-se Comunista. Manel era comunista com o mesmo fervor com que era adepto do F.C.Porto e as duas causas misturavam-se muitas vezes naquela altura. - Eram as causas das Minorias - Ser comunista para o Manel não era defender um regime politico, era ser a favor dos mais desfavorecidos e só aqueles que o conheciam melhor conseguiam aperceber-se dessa ténue mas importante diferença.

O esmorecer da costela comunista, numa altura em que o FC porto já não era minoria e o comunismo já não era papão, levou a que a sua vida acalmasse um pouco.

Tinha sido convidado a reformar-se antecipadamente do banco onde trabalhara e por isso o tempo chegava-lhe para ir ao café do Chico beber um copito de vez em quando. O copito tinha o defeito de lhe soltar a língua e fazer voltar os fantasmas do passado, que 30 anos tinham ajudado a disfarçar. 

Mas quando o Manel sentia chegar os demónios, retirava-se e era com alguma nostalgia e tristeza na alma que voltava para casa, onde a sua mulher o esperava como sempre, com um sorriso e o jantar feito.

Ele passara os últimos 30 anos a lutar contra esses demónios e conhecia-os melhor que ninguém; já os tinha de alguma forma domesticado.

Tivera ainda antes dos cinquenta um ataque cardíaco e esse dia marcara para ele uma mudança brusca na sua vida. Foi como se o seu corpo tivesse dado um aviso aos demónios que se continuassem, não haveria mais corpo para eles se divertirem. Ninguém soube como ele conseguiu a partir dessa data, conviver com os seus demónios; nunca ninguém saberá a que preço e com que sofrimento o terá conseguido.

A verdade é que o Manel ganhara a admiração de muita gente e foi portanto um cortejo fúnebre com muitas pessoas que se dirigiu ao cemitério.

Cemitério esse, que era um lugar que O Manel frequentava com bastante regularidade; passava por várias campas e parava muitas vezes durante bastante tempo perto de pessoas que nem sequer lhe eram chegadas. Porquê essas pessoas em particular?


Só o Manel o saberia explicar mas seguramente que deveriam ter mais a ligá-los que os próprios imaginavam; é que os demónios têm a língua solta e o Manel seguramente sabia coisas que os outros não sabiam. Coisas dos demónios!


Sem comentários:

Enviar um comentário