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Até aquele dia, as peças
tinham-se encaixado uma a uma sem dificuldades; tinha tido uma infância minimamente
feliz, os vários graus escolares tinham-se sucedido sem grandes aventuras nem
desventuras. O primeiro amor aos 10, o primeiro beijo aos 13 na mesma altura do
primeiro desgosto. A primeira vez surgiu naturalmente com um namorado aos 16,
sem fogo-de-artifício nem fanfarra mas também sem dramas; a faculdade, um curso
acabado com uma nota média, o 1º emprego, o 2º emprego, alguns namorados mais
ou menos sérios e finalmente ele.
Como se toda a sua vida tivesse
sido programada para chegar a ele
Ele era tudo aquilo que ela
alguma vez tinha sonhado que seria o homem da sua vida: Mais velho, mais
experiente, alto, cabelo acinzentado e com um leve ar triste de quem já sofreu
e já viveu muito.
Ele falava muito, alguns diriam
que demais, mas ela ouvia sempre com o mesmo prazer as histórias de uma vida
vivida em cheio. Ele ouvia com prazer as suas histórias de ainda menina com um
passado que para ele ainda era quase presente, de tão próximo que era.
Encontravam-se muitas vezes e quase
sempre faziam Amor; depois ficavam abraçados a fumar e a falar durante o tempo
que ainda lhes restava e depois faziam Amor outra vez, queimando já o tempo que
não tinham. As despedidas eram tão tranquilas e serenas como fogosos e quentes
eram os reencontros.
Ele… bem, ela só conseguia
imaginar o que ele sentia porque sobre isso falavam pouco. Sabia que ele
gostava e queria estar com ela. Sabia que as manhãs, tardes ou noites de Amor
lhe davam prazer porque há coisas que as mulheres sabem.
Assim se passaram meses que lhe
parecem já anos, tal era a forma como tinha entrado na sua vida. Lembrava-lhe
uma música de Chico Buarque que ela gostava :
“O terceiro me chegou
Como quem chega do nada:
Ele não me trouxe nada,
Também nada perguntou.
Mal sei como ele se chama,
Mas entendo o que ele quer!
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher”
“ele me chama de Mulher” , tinha sido isso que
tinha feito a diferença. Ele fazia-a sentir-se Mulher, sem ter de o provar, sem
ter de explicar, sem ter de o dizer. Ele dizia bom dia como quem diz “Amo-te” e
dizia “Adeus” como que diz também “Amo-te”. Ela não conseguia explicar como se fazia a tradução
mas era real e ela ouvia em surdina de cada vez que ele a beijava ou quando
calado, encostado a ela, fumava tranquilamente, fazendo círculos de fumo.
Um dia…. Naquele dia, ele não
apareceu como tinham combinado, um dia o telefone ficou mudo, um dia ela soube
dum acidente . Um dia, todos os dias da sua vida, pareceram vazios.
Um dia! Bastou um dia para que
todos os dias deixassem de fazer sentido, os que existiram antes dele e os que viriam
depois.
As peças do puzzle já não
encaixavam e como poderia a sua vida ter como destino essa felicidade tão
efémera como ela acreditou depois de o conhecer?
….. Quando o despertador toucou,
ela transpirava e tinha um aperto no peito como se suportasse o peso de uma
vida sobre ele.
Ainda ensonada, esticou o braço e
sentiu a pela quente ao seu lado , e ouviu o leve ressonar que lhe aconchegava
as noites.
Felizmente tinha sido só um pesadelo, talvez
provocado pelo vinho em excesso na noite anterior.
Ao seu lado ele dormia.
Era o namorado
dela, colega de curso e com quem vivia há já alguns anos.
Ela sorriu.
Ele fazia-a Feliz, Era um homem romântico
e acordava-a todos os dias com “um Amo-te”. deixava-lhe bilhetinhos espalhados pela casa e cozinhava para eles.
Ela pensou "Que mais pode pedir uma Mulher para
ser Feliz?" ....
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