VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

CONTO DO FIM



Nunca me senti tão bem. As falhas desta situação são largamente compensadas pelas vantagens que daí retiro.
O Eu que nunca procurei, encontrei-o. Estava aqui à mão de semear; tão perto que nem o via e no entanto tão longe que foi necessário esta caminhada, esta jornada infinita para o alcançar.
Na escuridão e no silêncio das palavras incompreendidas encontrei aquilo que muitos passam a vida à procura e morrem sem encontrar.
Foi devagar é verdade, mas firmemente, as coisas começaram a fazer sentido na minha cabeça, o Negro foi se transformando em luz.
Hoje eu sei! Sei tanta coisa que não sabia que talvez por isso o meu cérebro fez espaço para conter todas estas coisas, como se necessitasse de uma arrumação para que tudo fosse encaixado na perfeição.
Não há lógica, há verdades. Não há feio nem belo, simplesmente há!
Mas ouço vozes, deve ser dia!
Não me lembro quando as palavras se transformaram num amontoado de sons sem sentido; foi pouco a pouco…
Lembro-me de entender as conversas e perceber que falavam comigo ou de mim. Hoje sei que falam baixo ou que falam alto e esta música embala-me para mais um passo na direcção do que é definitivo.
Não entendo como os sons deixaram de se unir em palavras apesar de eu as conseguir construir na minha mente. Ou será que já não uso palavras e não me dei conta?
O balanço do passado já foi feito, e foi necessário fazê-lo para poder libertar-me da carga que representava. È necessário despojar-se para entrar num caminho tão estreito em que só cabe o Eu.
As vozes continuam; perto de mim a musica dos sons que teimam em confundir-se e chocar sem nunca se encaixarem embalam e aconchegam a minha jornada. São o único elo que me ficou da minha vida (ia dizer anterior mas afinal é única) e que me relembra que um dia estive junto a um corpo, que eu usei como se fosse meu e que era a minha fachada.
Tinha mãos e pés e sabia usá-los mas nunca soube aproveitá-los. Tinha olhos mas não via nada, tinha ouvidos mas naquele tempo em que as palavras existiam ainda faziam menos sentido e confundiam-me ainda mais.
Se o caminho que estou a seguir tivesse retorno eu seria o Rei do Mundo;
Mas este caminho é demasiado estreito e demasiado longo. Já não teria forças para fazer o caminho de volta.
E quando se vê a luz, como se pode voltar a viver na escuridão?
As vozes calaram-se.
O silêncio absoluto faz-se ouvir.
Estou só!
É como se a única janela que existe e comunica com a realidade que foi a minha durante anos se fechasse. Não me lembro de detalhes; já foram apagados certamente.
Sei que vivia, só não sei se existia.
Estar não é ser. E eu estava, como estávamos todos; não interessa se brancos ou pretos, se perto se longe. O mundo era um mundo de estar onde toda gente queria ser mas não era.
Só aqui se é, só aqui se pode realmente sentir o que é SER!
Mais uns passos da minha caminhada; voltam as vozes estranhamente mais frequentes que o costume. Sinto a minha caminhada a acabar : a luz está cada vez mais intensa. Os sons que ouço são mais altos, cada vez mais altos. Mais pessoas. O silêncio já não existe.
Um som que sempre fora intermitente e que me acompanhou durante todo este trajecto fica contínuo. Os sons voltam a formar palavras uma ultima vez: MORREU!


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