- “Deixa a luza acesa quando saíres”
Foram estas palavras secas que terminaram uma relação de 12
anos.
Ele era possessivo, sim, mas ela via isto como uma forma de
Amar. Uma forma pouco elegante, opressiva talvez, mas ainda assim, ela achava
que ele iria mudar com o tempo, perceber que ela o amava e que não precisava de
ser assim.
Ela pensava isso há 12 anos e cada dia encontrava uma justificação
para a sua forma de ser e de agir.
Foi com mágoa que foi deixando os amigos ao longo desta
caminhada de 12 anos e um a um foram ficando na outra vida que ela ia
abandonando para este Amor.
Já não se lembrava como era antes, como era quando tinha
muitos amigos com quem saia e com quem se divertia nos finais de semana, nas
férias e sempre que podia escapar ao seu trabalho monótono no Banco.
Naqueles tempos, faltava-lhe o Amor, faltava-lhe o ombro nos dias tristes,
faltava-lhe o abraço nas noites frias de inverno, faltava-lhe o sexo que lhe
encheria a alma e o corpo.
Foi o seu ar melancólico que a atraiu quando o via, dia após
dia, no café onde almoçava, primeiro de vez em quando e depois cada vez mais
amiúde.
Ele tomava café,
sozinho, enquanto olhava para o telemóvel, e parecia absorvido por assuntos
sérios, talvez de trabalho, talvez pessoais. Vestia impecavelmente, com um look
jovem e moderno. Barba sempre muito bem aparada. Sapatos sempre muito bem
escolhidos e a brilhar.
Primeiro foram olhares furtivos, depois sorrisos mais
descarados e cúmplices, até que um dia ele se sentou ao seu lado e conversaram
durante alguns minutos sobre banalidades.
Durante algumas semanas foi assim, até que um dia combinaram
jantar e depois veio uma noite em casa dele e sem saber como, passados uns
meses estavam a viver juntos. A casa dele foi a opção por ser maior e mais
perto do trabalho de cada um deles.
Foram 12 anos em que ela foi perdendo a sua identidade para
passar a ser só a mulher dele. Foi um processo lento e longo em que ela não se
apercebeu que as coisas iam mudando e que cada gesto que ela fazia, cada
decisão que tomava, era para ele, só para ele. Era uma asfixia que durava há anos em que ela
ia tendo cada vez menos ar mas em que se ia habituando ao ar rarefeito até que
essa forma de respirar passou a ser natural.
Ela queria ter filhos e com isso acreditava que as coisas
mudariam. Afinal ele amava-a e ela amava-o mais que tudo. Ele fazia-a feliz se
estivesse feliz, e fazia-a sentir-se miserável se estivesse mal. Ela foi
acreditando que isso era Amor e o tempo foi passando, sem filhos, sem que as
coisas mudassem, a não ser para pior.
No entanto, até há dois dias atrás, ela Amava-o como nunca.
Quando faziam Amor, ela entregava-se de tal forma que cada orgasmo a fazia
sentir-se a mulher mais feliz do Mundo e o Mundo, naquele momento era unicamente aquele
quarto.
Há dois dias atrás, discutiram sobre uma qualquer
banalidade, como já era habitual e como sempre, ele esperava que ela acabasse
por ceder, por calar. Naquele dia ela não cedeu, discutiu até ao limite das
suas forças e num momento mais quente, viu mão dele a levantar-se e viu na sua
expressão que ele mesmo lutava interiormente para que a sua mão não baixasse e
fosse embater na cara dela. Viu nos seus olhos aquilo que nunca tinha visto e
naquele preciso momento, naquele segundo percebeu que aquele não era o seu lugar.
Baixou a cabeça e chorou. Chorou até esgotar as lágrimas e cair
de cansaço na cama.
De manhã, ele acordou e beijou-a na face com um bom dia. Era
Sábado.
Aquele beijo que a alimentava, até ontem, queimou como fogo
na sua face ainda manchada da noite anterior.
Foi quando ele se sentou a ver o futebol que ela
foi para o quarto fazer uma mala pequena com o necessário para passar alguns
dias. Escondeu a mala no armário e deitou-se. Dormiu tranquilamente nessa noite
e nem o sentiu a deitar-se.
De manhã, ainda muito cedo, saiu da cama, vestiu-se, pegou
na mala de dentro do armário e deixou-a junto à porta.
Voltou para o quarto e sussurrou-lhe ao ouvido.
“Vou embora”
Ele acordou, olhou para ela e percebeu que nem valia a perna
argumentar.
“Deixa a luz acesa quando saíres”
Ela saiu do quarto, saiu de casa e saiu da vida dele. Na rua
respirou como não respirava há 12 anos.