VISTO DAQUI.... NÃO SEI

VISTO DAQUI.... NÃO SEI

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Deixa a luz acesa quando saires

- “Deixa a luza acesa quando saíres”

Foram estas palavras secas que terminaram uma relação de 12 anos.

Ele era possessivo, sim, mas ela via isto como uma forma de Amar. Uma forma pouco elegante, opressiva talvez, mas ainda assim, ela achava que ele iria mudar com o tempo, perceber que ela o amava e que não precisava de ser assim. 

Ela pensava isso há 12 anos e cada dia encontrava uma justificação para a sua forma de ser e de agir.

Foi com mágoa que foi deixando os amigos ao longo desta caminhada de 12 anos e um a um foram ficando na outra vida que ela ia abandonando para este Amor.

Já não se lembrava como era antes, como era quando tinha muitos amigos com quem saia e com quem se divertia nos finais de semana, nas férias e sempre que podia escapar ao seu trabalho monótono no Banco.

Naqueles tempos, faltava-lhe o Amor, faltava-lhe o ombro nos dias tristes, faltava-lhe o abraço nas noites frias de inverno, faltava-lhe o sexo que lhe encheria a alma e o corpo.

Foi o seu ar melancólico que a atraiu quando o via, dia após dia, no café onde almoçava, primeiro de vez em quando e depois cada vez mais amiúde.

 Ele tomava café, sozinho, enquanto olhava para o telemóvel, e parecia absorvido por assuntos sérios, talvez de trabalho, talvez pessoais. Vestia impecavelmente, com um look jovem e moderno. Barba sempre muito bem aparada. Sapatos sempre muito bem escolhidos e a brilhar.

Primeiro foram olhares furtivos, depois sorrisos mais descarados e cúmplices, até que um dia ele se sentou ao seu lado e conversaram durante alguns minutos sobre banalidades.
Durante algumas semanas foi assim, até que um dia combinaram jantar e depois veio uma noite em casa dele e sem saber como, passados uns meses estavam a viver juntos. A casa dele foi a opção por ser maior e mais perto do trabalho de cada um deles.

Foram 12 anos em que ela foi perdendo a sua identidade para passar a ser só a mulher dele. Foi um processo lento e longo em que ela não se apercebeu que as coisas iam mudando e que cada gesto que ela fazia, cada decisão que tomava, era para ele, só para ele. Era uma asfixia que durava há anos em que ela ia tendo cada vez menos ar mas em que se ia habituando ao ar rarefeito até que essa forma de respirar passou a ser natural.

Ela queria ter filhos e com isso acreditava que as coisas mudariam. Afinal ele amava-a e ela amava-o mais que tudo. Ele fazia-a feliz se estivesse feliz, e fazia-a sentir-se miserável se estivesse mal. Ela foi acreditando que isso era Amor e o tempo foi passando, sem filhos, sem que as coisas mudassem, a não ser para pior.

No entanto, até há dois dias atrás, ela Amava-o como nunca. Quando faziam Amor, ela entregava-se de tal forma que cada orgasmo a fazia sentir-se a mulher mais feliz do Mundo e o Mundo, naquele momento era unicamente aquele quarto.

Há dois dias atrás, discutiram sobre uma qualquer banalidade, como já era habitual e como sempre, ele esperava que ela acabasse por ceder, por calar. Naquele dia ela não cedeu, discutiu até ao limite das suas forças e num momento mais quente, viu  mão dele a levantar-se e viu na sua expressão que ele mesmo lutava interiormente para que a sua mão não baixasse e fosse embater na cara dela. Viu nos seus olhos aquilo que nunca tinha visto e naquele preciso momento, naquele segundo percebeu que aquele não era o seu lugar.

Baixou a cabeça e chorou. Chorou até esgotar as lágrimas e cair de cansaço na cama.
De manhã, ele acordou e beijou-a na face com um bom dia. Era Sábado.
Aquele beijo que a alimentava, até ontem, queimou como fogo na sua face ainda manchada da noite anterior.

Passou o dia em silêncio, cumprindo no entanto as tarefas habituais do final de semana. 

Foi quando ele se sentou a ver o futebol que ela foi para o quarto fazer uma mala pequena com o necessário para passar alguns dias. Escondeu a mala no armário e deitou-se. Dormiu tranquilamente nessa noite e nem o sentiu a deitar-se.

De manhã, ainda muito cedo, saiu da cama, vestiu-se, pegou na mala de dentro do armário e deixou-a junto à porta.

Voltou para o quarto e sussurrou-lhe ao ouvido.

“Vou embora”

Ele acordou, olhou para ela e percebeu que nem valia a perna argumentar.

“Deixa a luz acesa quando saíres”


Ela saiu do quarto, saiu de casa e saiu da vida dele. Na rua respirou como não respirava há 12 anos.

ABAIXO O GREGÓRIO !


 Por uma infeliz coincidencia, todos os anos, o ano acaba e começa um novo. Déja vu ! Já cansa. Por uma vez podia acabar um ano sem começar um novo ou andarmos para trás ou saltarmos 3 anos .....Mas não. Nesta coisa de finais de ano, reina a monotonia. 

O que muda? O calendário obviamente, e pouco mais.

No dia 31 de Dezembro, à meia-noite, comendo passas ou passando fome, as coisas não mudam. Bestas continuam a ser bestas e Filhos da Puta continuam a ser Filhos da Puta. Pode ser que um dia, uma lei diga que no dia 31/12 as pessoas sejam sujeitas a uma lavagem cerebral para deixarem de lado as merdas todas que fizeram durante o ano que acabou; mesmo assim, com o contador a zero, as pessoas não deixariam de ser quem são e passados algumas semanas continuariam a fazer o que faziam no ano anterior.

No dia 31/12 não acaba nada a não ser o calendário de 2016, que irá para o lixo. As agendas onde escrevíamos coisas importantes ao longo do ano já quase não existem e de cada ano fica apenas uma pasta no computador onde armazenamos as centenas de fotos que raramente voltaremos a ver.

No meu computador, onde existem pastas para quase todos os anos, elas vão aumentando de tamanho cada ano e os últimos anos já têm de ser divididos em meses. Alguns anos mais longínquos só têm direito a 2 ou 3 fotos amareladas que trazem à memória coisas que realmente marcaram.

As lembranças não estão dívidas em anos; lembramos do tempo do Liceu, do tempo da Universidade, da nossa infância, da infância dos nossos filhos; lembramos Amores e Desamores, lembramos as pessoas que entraram na nossa vida e as pessoas que se foram. Isto sim, coisas que nos mudaram e de onde saímos diferentes, maiores, melhores ou não. Entraremos em 2107 da mesma forma que saímos de 2106 e faremos juras e promessas vãs que não tencionamos cumprir. 

Lembramos do 1º beijo sem saber o ano, lembramos a primeira vez que fomos rejeitados sem querer saber o ano, lembramos anos sem saber quais foram. 

lembramos cheiros, lembramos toques, lembramos sentimentos que aconteceram talvez há muitos anos ou há poucos dias mas que não têm anos. 

Gostava de em 2107, cruzar-me com menos pessoas que não interessam e passar mais tempo com aqueles que Amo e que me fazem mudar. Gostava de em 2017 aproveitar mais momentos do que em 2016 e chegar ao fim do Ano sem querer que acabe.

Em 2016 vivi momentos únicos que podiam ser de 2015 ou de 2009, em 2016 vivi momentos de merda que podiam ser de qualquer ano e que seguramente continuarão a acontecer em 2107. Não é um qualquer Gregório que me vai ditar os dias em que mudo e os dias em que nada muda.


FELIZ 2017 

domingo, 25 de dezembro de 2016

O Natal foi embora

No dia 25 de Dezembro à noite, passada a euforia das compras e passado o tempo em família, volta a realidade.

O papel de embrulho volta a ser só papel, as luzes de Natal já são só luzes e a distância que encurtou nestes dias volta à sua medida de todos os dias e estica-se por mais 364 dias.

As prendas que recebemos passam a ser coisas que temos como tantas outras coisas que já temos.

Os livros irão repousar como objectos na mesa-de-cabeceira ou numa estante até que num outro qualquer dia do ano, ou nunca mais, voltem a ser livros. 

Muito serão só, e para sempre, uma lombada virada para nós, como lembrança de um Natal em que foram mais que papel.

O pinheiro, que marca o início da época de Natal, já pede para voltar para a caixa na garagem, onde não tem luzes nem enfeites e deitado, espera voltar a erguer-se.

Hoje, as músicas de Natal que ontem encantavam, já soam mal e arranham os ouvidos, as luzes empalidecem devagar, dizendo adeus e até para o Ano e no lixo acumulado em frente às casas, os póneis, as bolas de Natal e os pinheirinhos que trouxeram fantasia e sonhos debaixo de uma árvore na sala, são levados pelos homens de amarelo que misturam num único lugar, os sonhos e as desilusões de um Natal que já acabou.


Feliz próximo Natal.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Cara ou Coroa

Sentiu como que uma brisa leve e cálida a acariciar-lhe a pele, que o fez acordar. Abriu os olhos com muito mais facilidade do que acontecia normalmente cada manhã. Não sentia sono, nem sequer aquelas dores que já faziam parte da rotina diária de um acordar difícil.

Olhou em redor e para o lado da cama onde deveria estar a sua mulher e estava vazio. Olhou para o relógio e onde deviam estar as horas, estavam 4 zeros a piscar como se tivesse faltado a luz na casa durante a noite.

De repente, o seu cérebro acusou uma anomalia que não processara quando olhou em redor e lembrou-se de uma massa escura no canto onde deveria estar um sofá claro.

Mais desperto, olhou para esse canto e sentado no sofá estava um homem, vestido de fato claro, gravata cinza com umas finas riscas e camisa branca imaculada, a sorrir.

Estranhamente não sentiu medo nem aquela presença o fez saltar. Havia algo de tranquilo naquela figura, naquele olhar, que o fez sentir-se calmo.

- Bom dia, disse o homem numa voz colocada mas serena.

- Quem és tu?

- Sou aquele que tu quiseres que eu seja; mas podes chamar-me de António, se quiseres; ou Francisco, ou outro nome qualquer.

Gilberto (sim, chamava-se Gilberto), olhou fixamente para o homem e continuava sem perceber.

- Olha, vou tentar explicar-te … sabes quando se fala em pessoas que tiveram a visita da “morte” ? Bem é quase a mesma coisa …

- Tu….Tu…. Tu és a Morte? Estou morto? Vou morrer? É por isso que estou sozinho no quarto? Onde está a minha mulher? Que lhe fizeste?

- Relaxa! A tua mulher está a dormir, assim como tu, na cama. O que vês à tua volta é uma representação do teu quarto, assim como eu sou a representação de uma figura que tu respeitas, com fato e camisa branca. Tudo isso é fictício! Eu não sou a Morte porque isso não existe; são coisas que inventamos.

- Inventaram a Morte?

- Sim, a morte não existe. Nem a pessoa com uma foice e corpo de esqueleto, nem a morte enquanto estado. Nada disto existe.

- Mas nós morremos! Os meus pais morreram! Morrem milhares de pessoas por dia!

- A morte de que falas é passar de um estado para outro, passar de On a Off. Morrer significa acabar, deixar de existir mas vocês continuam a existir. Entendes?

- Não !

- OK então vou tentar explicar. Imagina um jogo enorme jogado por milhões de jogadores em que vocês são o Jogo eu sou um dos jogadores. A minha estratégia neste momento passa por decidir se continuas a ser um dos meus peões ou se te transformo noutra personagem que me poderá ser mais útil no futuro. Simples não é? Tu és um conjunto de caracteres e um chip. Este chip passará para outro peão se já não me fores útil. No jogo, a tua mulher e os teus filhos chorarão a tua morte e a mesma condicionará a vida dos teus filhos para sempre. Eu, como jogador, tentarei usar isso em meu proveito e acumular pontos.

- Estás doido!

- Doem-te as costas? Tens sono? Sentes fome ou sede? Claro que não. Neste momento estás desligado do jogo ….

- Se é assim, como ganhas pontos nesse estúpido jogo?

- O meu objectivo e de outros como eu, é impedir que destruam a terra, enquanto outros fazem tudo para que isso aconteça. Para isso usamos artifícios, manhas, truques, Entendes? Quem achas tu que criou as religiões e os seus princípios de fazer o bem? E obviamente quem achas que está por detrás de alguns dos piores homens da história? O jogo é esse, e o tabuleiro é a Terra e vocês são os peões.
Este jogo já dura há milhares de anos mas estamos a perder, como sempre. Nunca conseguimos impedir que os homens façam merda a sério!

- Que vais então fazer comigo?

- Muito simples; vou fazer-te uma pergunta e vais responder. De acordo com a tua resposta, acordarás na tua cama ao lado da tua Mulher ou morres no jogo e depois decido como usar-te. A tua resposta dar-me-á pistas sobre a tua atitude no futuro. Em qualquer dos casos, não te lembrarás de nada quando voltares ao Jogo.

- E qual é a Pergunta? Eu quero ver os meus filhos crescerem, quero estar ao lado deles, quero estar ao lado da minha mulher, quero … sei lá! Não quero morrer!

- Então responde à seguinte pergunta: “Preferes Gelado de Chocolate ou de Baunilha?”

- Mas que pergunta estúpida é essa? Em que é que isso muda o que sou ou posso ser no futuro para a tua porcaria de jogo? Não te interessa saber antes, se sou uma boa pessoa?  Vais fazer depender a minha vida de uma decisão entre baunilha e chocolate? e se eu não responder ?

- Se não responderes, tiramos à sorte o teu futuro … cara ou coroa? Coroa ou cara ? Não achas isso pior?

- Não sei! O pior é que nem gosto de gelados!

- Então vamos à sorte! De certeza que é isso que queres?

- Não sei. Espera! Dá-me uma pista sobre a resposta certa.

- Não há respostas certas. Seja qual for a resposta acontecerá alguma coisa boa ou má para ti; mas mesma uma coisa boa para ti, pode ser má para outra pessoa. Tudo está interligado. Por isso esse jogo é difícil.

- Então, atira a moeda ao ar. Não quero fazer depender o destino de outra pessoa de uma pergunta estupida como essa! Eu quero cara!

- Cara para quê?

- Cara para continuar a viver.

Então o António atira uma moeda ao ar e enquanto ela vai rodando sobre si mesma, Gilberto tem o coração a bater a mil à hora! Parece que o tempo parou. Finalmente, depois daquilo que pareceu uma eternidade, a moeda chega ao chão e continua a rodar até que cai para um dos lados e …. Cara.

O coração de Gilberto parou e tudo ficou negro à sua volta durante segundos que pareceram dias. Abre os olhos lentamente e sente a dor nas costas que sempre lhe diz bom dia cada manhã. Sente o sono de uma noite mal dormida, e sente o calor da sua mulher que se mexe ligeiramente ao seu lado.

Senta-se na cama; O relógio marca 06.45 e já não pisca.

Levanta-se para ir passar água na cara, amaldiçoando a noite de copos do dia anterior que além de lhe ter dado uma horrível dor de cabeça, fez-lhe ter pesadelos a noite toda.

Caminha lentamente para a casa de banho e sente a sua mulher a acordar.


- Que moeda é esta na cama? Nunca vi nada disto. Uma moeda com duas caras? disse a mulher.

Gilberto olhou para o espelho e sorriu ... sem saber porquê .... 


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Conto de Natal (2)

Chovia bastante e ele caminhava junto às montras para se abrigar. Montras carregadas de coisas: Roupas, brinquedos, perfumes, joias… tudo coisas!

Coisas enfeitadas com laços brilhantes, vermelhos quase todos, e quase sempre numa cama de neve artificial de esferovite. Todos os natais era a mesma coisa, repetia-se a cena e os lojistas antecipavam cada vez mais o Natal de forma a arredondarem o final de ano e aproveitar a onda consumista que invadia as pessoas.

Ele continuava a caminhar para um lugar que poucos conheciam e que não tinha o brilho das lojas das ruas comerciais que ele atravessava naquela altura.

As ruas iam ficando cada vez menos iluminadas enquanto ele se afastava do centro; cada vez menos lojas, cada vez menos pessoas, cada vez mas cinzento e molhado. Já não ouvia as músicas que cada loja expelia durante a sua já longa caminhada.

Enquanto andava pensava em coisas, coisas que tinham preenchido os seus Natais durante anos e anos. Coisas que ele carregava para casa com a alma cheia como se estivesse a carregar Amor; mas eram só coisas.

Foi quando, numa altura difícil da vida dele, deixou de poder comprar coisas e só podia mesmo carregar Amor quando voltava para casa, que se apercebeu que estas coisas não eram nada como o Amor. Eram coisas que se desvaneciam com a aurora, que perdiam o brilho com as primeiras luzes do dia seguinte. Eram só coisas!

A chuva caia cada vez mais forte e ele já roçava as paredes dos prédios velhos, onde já não existiam lojas, nem luzes, nem Musica.

Chegado ao largo, viu as carrinhas velhas abertas e o burburinho de costume. Velhos e menos velhos esperavam já numa longa fila que também ela roçava as paredes, procurando algum abrigo para a chuva qua caía.

O cheiro a comida enchia o ar.

Já conhecia a maior parte deles e sorria enquanto caminhava para uma das carrinhas.
- Boa noite, lançou para o ar com um sorriso.

Passadas que foram quase duas horas, fez o caminho de volta. A chuva tinha parado e ele caminhava lentamente, saboreando este início de noite, enquanto começava a chegar às ruas carregadas de luzes, musica e coisas, muitas coisas.

Entrou no carro, sentou-se, acendeu um cigarro pensou em como iria para casa cheio de Amor e não de coisas. Como ir ajudar todas as semanas, os mais desfavorecidos naquelas carrinhas e servir comida lhe enchia muito mais a alma que todas as coisas que já tinha comprado noutros Natais.

Deitou o cigarro pela janela e conduziu para casa

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Alergias ( Sim, alergias e não alegrias)


Se os anos se contassem em dor, seria seguramente mais velha, mas comos os anos se contam simplesmente em dias, tem só 14 anos. Algures nesta contagem está uma “catraia ” que é acima de tudo uma lutadora e uma pessoa que já aprendeu, cedo demais, que a vida é muitas vezes aquilo que ela nos quer dar, sem pedir licença por magoar, sem pedir licença para tirar.

É uma criança adulta que todos os dias encontra motivação para sorrir, mesmo que o sorriso seja por vezes forçado e que todos os dias saboreia o sabor amargo de uma perda demasiado trágica, demasiado cedo.

Se Deus existe, e se existe um livro de reclamações, eu quero lá escrever que não é justo que uma criança, qualquer criança, tenha de sofrer.

Se Deus existe, e se existe um livro de reclamações, eu quero dizer-lhe que pare de se divertir às nossas custas.


Não lembraria ao Diabo, que a uma menina que a vida faz chorar, se lembrasse de lhe dar a alergia mais irónica que se podia inventar: Alergia às próprias lágrimas !!! .... Mas alguém se lembrou 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O roubo dos Barulhos ( livro infantil)


depois de 365 dias, Um livro infantil com 7 anos, escrito para ler na escola da minha filha, o dia Nacional da leitura.
Pode ser lido online no link abaixo.



quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Afinal estamos a fazer um bom trabalho

Por vezes são coisas banais que nos dão a real importância de coisas bem menos banais.

Há dias via uma série na televisão; uma série banal e nela, uma cena como tantas outras que vemos todos os dias.

Nessa cena vi uma coisa tão simples como 2 pais olharem para um filho e trocarem um olhar cúmplice, misturado com orgulho de quem diz: “ afinal estamos a fazer um bom trabalho”

Todos os dias olho para os meus filhos e tenho dúvidas. Duvidas se estou a agir bem, duvidas se estou a ser correto, duvidas se estou a ser um bom pai.

Nesses momentos falta-me o outro lado, falta-me o outro prato da balança. Falta-me a pessoa que me pode corrigir, que me pode apoiar numa decisão ou demover-me da mesma. Falta a pessoa onde me posso apoiar e sentir que estou a fazer a coisa certa. Falta a pessoa que partilha o mesmo sentimento e o mesmo Amor e que possa ver as coisas da perspetiva de quem Sente o mesmo que eu sinto. Falta a pessoa que me possa dizer: Não! Não é por aí !

Estas faltas estavam identificadas e sabia desde aquele dia, que era algo com que ia ter de viver e ultrapassar. A falta de um equilíbrio, de um pêndulo. Sabia que as minhas dúvidas seriam cada vez maiores e cada vez mais complicadas. Sabia que seria uma luta comigo mesmo todos os dias e que seria errando que iria aprender.

Tudo é tão mais fácil quando partilhado, tudo é tão mais claro quando falado…

Há tempos escrevi sobre a diferença (para mim, obviamente) entre ver uma obra de arte, ler um livro ou ver um bom filme e poder partilhar o que sentimos ou não o fazer de todo e viver essas emoções unicamente de forma interior.

Filhos não são obras de arte mas emoções são emoções e a partilha é igualmente necessária.

O que eu nunca pensei, era na falta que me faria, voltando à tal cena banal, esse olhar cúmplice e orgulhoso que trocaria depois de olhar para os meus filhos. Esse olhar que diz “ Afinal estamos a fazer um bom trabalho”. Esse olhar,nunca mais o trocarei com ninguém e essa partilha, que só poderia ser feita com uma pessoa, ficará para sempre impossível de se realizar.
Poderíamos nem falar, poderíamos estar afastados milhões de quilómetros em distância ou sentimentos, mas esse olhar seria só nosso e saberíamos o que quereria dizer.

Quando vejo pais que poderiam trocar esse olhar mas que por coisas banais, tão ou mais banais como a séria que nos trouxe aqui, não o fazem ….


É que quando sentimos 4 olhos nas nossas costas, sejamos crianças ou já adultos, eles têm o poder de nos fazer mais fortes, endireitam as nossas costas e levantam as nossas cabeças. 

Esses 4 olhos que depois de olhar para nós, se viram dois a dois e dizem “ Afinal estamos a fazer um bom trabalho!” 

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

a Força ou a Fé

Muitas vezes, muitos de nós, em certos momentos das nossas vidas, fomos buscar forças onde parecia impossível, onde achávamos que não existiam
Onde está o limite da nossa força? Acho que só colocados face a obstáculos que julgaríamos intransponíveis chegamos a perceber o quanto podemos ser forte, o quanto podemos ser mais fortes que aquilo que pensávamos.

Há coisas na vida que funcionam como catalisadores desta força e de todas destaca-se sem sombra de dúvidas, a família e em particular os filhos.
São eles que , mais que tudo o resto, nos conseguem extrair essa força e fazer de nós algo mais do que aquilo que somos, sem que tenhamos que procurar muito dentro de nós. Ela está lá, vem no pacote quando eles nascem e sem darmos por ela, aloja-se num canto obscuro do nosso ser para ser usada quando dela necessitamos.

Esta força está dentro de nós como uma reserva escondida e guardada para os momentos difíceis da vida deles em que como pais temos de nos superar e ser algo mais do que simples seres humanos.

Alguns, possivelmente poucos, conseguiram forma de usar esta força no seu dia-a-dia e extraí-la de coisas como a Fé, o Amor ou mesmo o Ódio; conseguiram domá-la e estes são seres extraordinários, com uma capacidade de superação incrível que se cruzam na nossa vida de longe a longe e que admiramos.

Quando estamos doentes, nós que somos comuns mortais, focamo-nos na cura em função de nós, mas também muito em função dos outros : os filhos, os pais, os irmãos ou aqueles que Amamos. Essa força funciona e faz de nós quase super-homens ou super-mulheres; é com essa força que voltamos do lado escuro de onde outros não quiseram ou não conseguiram sair.

No regresso dessa viagem, esgotados, voltamos a ser humanos mas sabemos que algures, essa força continua presente para outra jornada, para outra vitoria.

Para uns esta força chama-se fé, para outros simplesmente força; mas isso,  no fim de contas, não fará diferença, porque ela não vem quando se chama pelo nome mas quando precisamos dela.




terça-feira, 4 de outubro de 2016

Em Luanda



Desde que cheguei a Angola e cada dia que passa tenho aprendido algumas coisas sobre o que é estar fora do seu País, longe das pessoas que se ama.
Vejo-me a lacrimejar a ver series cómicas porque as pessoas mostram emoções por aqueles que lhes estão próximos, vejo-me a sentir-me só quando sou eu que fujo muitas vezes a estar com pessoas.

É incrível como nos adaptamos a esta vida, buscando substitutos às coisas que temos normalmente e fugas para aquilo que não queremos por serem demasiado próximas do que desejaríamos ter nessa altura.

A maioria das pessoas por aqui, adapta-se de uma forma ou de outra; umas buscam companhia para enganar a ausência ou simplesmente porque querem companhia; outros procuram uma “segunda” juventude ou “segunda” vida porque estão longe e não conseguem estar em “hold” muito tempo.

Vejo todos os dias pessoas a estarem juntas, sejam amigos ou amantes que se estivessem em Portugal nem sequer perderiam tempo a se conhecer; aqui pela lei de oferta e da procura e pela lei da sobrevivência, as pessoas juntam-se e são felizes por momentos, fingindo sentimentos, fingindo alegria, fingindo gostar simplesmente.
Outros, em muito menor número estão genuinamente a viver.
Eu observo! Não consigo fingir sentimentos, nunca consegui e talvez por isso a minha lista de amigos seja muitíssimo pequena.

Observo as pessoas a fingir, observo a pessoas a viver e fico de fora porque não sou um poeta como dizia fernando Pessoa. Não consigo fingir.
Gosto genuinamente de algumas pessoas que fui conhecendo; a algumas poderei chamar “amigos” mesmo sabendo que ser amigo é muito mais que gostar, mas como os outros iludo-me de forma consciente e neste momento e neste espaço ser amigo tem menos requisitos que na vida real, porque baixamos barreiras e expectativas.

Toda a gente busca proximidade pelo afastamento daqueles que são realmente próximos; não se consegue ser minimamente feliz sem essa proximidade, seja carnal, seja simplesmente de sentimentos. Por mais “duro” que sejamos, por mais independente que achemos ser, como dizia o caetano Veloso : “ um carinho sempre cai bem”.

Sinto a falta dos meus filhos, mesmo falando com eles todos os dias. Sinto a falta da minha casa que só é minha há 1 ano. Sinto a falta da minha rotina. Sinto a falta de não sentir a falta de nada.

Por outro lado, estas experiencias são muito enriquecedoras e são alimento para a Alma e são sobretudo “viver”. Viver coisas novas , viver emoções novas e sentir.
Todos os dias, acordo num apartamento que podia ser o meu em Portugal, com as comodidades todas. E todos os dias, quando chego à rua me surpreendo com o barulho e com os cheiros desta cidade. Parece que entro numa nova dimensão e que todos os dias são o 1º dia. Todos os dias me surpreendo quando o Manucho vem ter comigo a anda ao meu lado até ao carro. Todos os dias me surpreendo quando chego ao carro e vejo o limpa para-brisas levantado para mostrar que foi limpo. Todos os dias me surpreendo quando vejo o meu carro a brilhar…

Todos os dias me surpreendo quando o Manucho me conta as desgraças da vida dele e porque “precisa” de dinheiro ou de sapatos.
“ O fungi acabou, meu Camba, só tenho 2 pacotes de massa. Fim de semana foi mau”
“Foi mau porquê  Manucho ?”   pergunto
“ Foi mau porque acabou o fungi , meu camba !”
Ingenuidade minha!

Mesmo sabendo que a maioria deles inventa coisas todos os dias para nos “sacar” dinheiro, toca-me porque mesmo os problemas fingidos são coisa pouca comparados com os problemas reais deles do dia-a-dia.

Finjo acreditar nas desgraças para justificar o dinheiro que lhes dou, finjo não me preocupar com os seus problemas reais quando me mostram uma receita de farmácia por aviar, quando sei que aquela receita é provavelmente falsa e antiga.

Ai, sim consigo fingir.

Só não consigo fingir as saudades que sinto daqueles que Amo e todos os dias, no final do dia, quando entro neste apartamento vazio, a cheirar a limpo, sinto a falta deles; sinto que não estou em casa.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Se o permitires

Um dia já não estarei cá e um dia serei uma simples subtracção no teu Mundo e nesse dia, subtrair-me-ei, deixando-te tudo aquilo que te terei tentado dar ao longo da tua vida, mesmo por vezes contra a tua vontade.

Nesse dia não serei uma estrela no céu porque não estarei lá nem cá. Serei, se o permitires, um sorriso, serei um abraço, serei um ombro, serei aquilo que fui enquanto cá estive, enquanto aprendia a ser o que nunca soube verdadeiramente mas que nunca desisti de tentar saber, ser pai.

Serei um grito, porque também os houve, serei a mão na cara no dia em que a minha paciência se esgotou, com culpa tua mas também com muita culpa minha. Serei o olhar severo, reprovador, mas também cúmplice e orgulhoso. Serei o castigo mas serei também a recompensa, serei a voz grossa que te enervava mas serei também a voz doce que tanto gostavas. Serei a dor da injustiça mas serei também a razão que por vezes encontravas nos meus queixumes.

Serei a mão dada, as cavalitas depois da idade, serei o coração que batia nos teus ouvidos e que não sabias o que era mas te embalava, serei o cheiro que te confortava quando te chegavas a mim, serei o murmúrio que ouvias do teu quarto e te sossegava quando acordavas.

Tive, tenho e terei sempre orgulho no que és, no que te tornaste nesta caminhada nada fácil que é estar aqui, para onde não pediste para vir e onde um dia chegaste a chorar.

Cresceste, dia após dia, centímetro após centímetro até seres aquilo que és hoje que é a base daquilo que serás amanhã mas ainda é e será sempre igual, ao dia em que choraste pela primeira vez.
Talvez não te tenha dito suficientes vezes que te amava, talvez não tenha dito suficientes vezes o que sentia mas sabes, é quase como a luz do dia que volta depois de todas a noites, sabemos que está lá, não pensamos nela, porque ela não nos falha.

Digo “é quase”, porque muitas vezes te falhei, muitas vezes não fui o que precisavas. Não há livros para tudo, não há ensinamentos suficientes no Mundo para aprender a ser aquilo que mais precisavas em cada momento da tua vida. Demasiadas vezes a vida não me permitiu ser aquilo que queria ser ou aquilo que deveria ser para ti. Foi culpa da vida mas também foi culpa minha

Aproveito por isso, este momento, para te pedir desculpas por aquele dia em que não entendi o que te ia na alma, por aquele dia em que te julguei, por aquele dia em que não me apercebi que já tinhas crescido; por todos os dias em que te falhei, por exagero, por omissão, por ausência ou simplesmente porque não soube fazer melhor.


Aproveito também este momento para te dizer que estou aqui e espero ainda estar muito tempo, se o tempo assim o permitir e que vou errar muitas mais vezes se tu assim o permitires.

domingo, 12 de junho de 2016

Sou Rico

Não são necessários escrituras ou empréstimos bancários. Existem lugares espalhados pelo Mundo que são meus. Pertencem-me e ao contrário de outras coisas e outros lugares, estes, nunca me poderão ser retirados.

No mapa das minhas propriedades, estão locais que são de todos, outros que não são de ninguém, mas todos são meus. Em alguns lugares que me pertencem estive meses, noutros apenas minutos e com alguns talvez apenas tenha sonhado mas não deixam de ser meus.

Aquele banco de jardim é meu, aquele pequeno espaço entre as dunas também é meu; também é meu aquele banco onde muita gente escreveu as suas iniciais e aquele quarto de hotel que vou emprestando a outros desde aquele dia em que ficou meu.

É meu aquele lugar de estacionamento banhado pelo luar, é minha aquela pedra junto ao rio; a 45ª laje do chão daquele cais onde estive horas sentado a falar de mim também me pertence.

Não os reclamei, nem quero a sua exclusividade. São meus como são de outros. Não da mesma forma, talvez não com a mesma intensidade, mas com a mesma propriedade com que são meus também são deles

Tenho a sorte de ter lugares meus espalhados pelo Mundo e isso faz de mim um homem rico; uma riqueza que não posso deixar em testamento mas que deixo um pouco todos os dias para aqueles que Amo porque foram estes locais que fizeram de mim o que sou. 

domingo, 5 de junho de 2016

Fiquem vivos

E se amanhã todos soubéssemos a data da nossa morte?

A ideia não é original; vi-a num filme e conseguiu pôr-me a pensar.

Saber a data da morte é algo que infelizmente alguns sabem mesmo se com alguma aproximação e as posturas são várias dependendo do estado de saúde, do espirito mas mais ainda, da proximidade da data.

Aproximam-se daqueles que amam, deixam de perder tempo com gente estupida, fazem aquilo que sempre sonharam fazer…. Tudo coisas que deveriam ser óbvias mesmo sem saber que se vai morrer daqui a pouco.

Todos saberem a data da sua Morte é bastante diferente e colocaria um dilema grande no momento em que duas pessoas se aproximam. “E tu, quando vais morrer?”

Será que escolheríamos as pessoas pela data da morte? Será que condicionaríamos os nossos amores pelo tempo ainda disponível para ambos ou só para o outro?

Será que no início de uma relação isso seria relevante ou só pensaríamos no assunto mais tarde?

 Cartões de cidadão teriam para além da data de nascimento, a data da morte.

“- Desculpa, mas pretendo uma relação longa e morres daqui a pouco tempo” e ela virava-me as costas

Imagino sites a nascer em que as pessoas se relacionariam pela data da morte, criando uma infinidade de Romeus e Julietas. Pessoas que sabem que morrem no mesmo dia da pessoa amada.

“Até que a morte vos separe … ou seja até ao dia 5 de março de 2027 ”, diria o padre no dia do casamento.

“Cavalheiro respeitável procura senhora para companhia até ao dia 18 janeiro de 2019” podia ser um anúncio normal.

Mas não, nada disso é verdade nem será e Não sabemos quando vamos morrer.

Se soubesse gostaria de pensar que não seria diferente do que sou ou melhor dizendo, que não sou diferente do que seria......se soubesse !

Fiquem vivos !


domingo, 29 de maio de 2016

A vida não acontece

O que acontece são “acontecimentos” que não são mais que pontos num daqueles desenhos que fazíamos quando éramos crianças.

A vida tem de ser feita acontecer!

Podemos saltar pontos, acrescentar pontos, podemos simplesmente não desenhar nada, ou podemos unir todos os pontos como a vida nos lhos apresenta e depois lamentar que a vida é ou foi assim….Porque sim!


A vida não é sempre aquilo que queremos; Muitas vezes sofremos e choramos num daqueles pontos que não desenhamos, mas daí, podemos desenhar a linha que queremos e seguir para o ponto seguinte ou para outro qualquer ponto do desenho.

Podemos colorir o desenho ou podemos deixá-lo a preto e branco. A qualidade final do desenho depende em parte dos pontos que nos foram dados, mas depende ainda mais daquilo que lhe acrescentamos. O que acrescentamos somos nós.


Os pontos da vida são “ser” mas as linhas que desenhamos chamam-se “Viver”. 

terça-feira, 17 de maio de 2016

Dá-me



Dá-me algo que me surpreenda

Dá-me algo que eu não espero

Dá-me algo que eu não quero

Dá-me algo que te custe, que te seja caro, que te seja difícil de dar.

Dá-me algo que te possas arrepender de me ter dado.

Dá-me algo que não me queiras dar

Dá-me algo que queiras guardar

Dá-me algo que te faça sofrer

Dá me algo assim

Porque se não for assim


É melhor não dar...

Partida

Quando o despertador tocou não eram ainda 4.30 da manhã. Parecia que tinha acabado há pouco de se deitar; e se o corpo pedia mais descanso, a mente já fervilhava das emoções que ele sabia estarem para vir.

Enquanto fazia um café, calculava mentalmente o tempo necessário para estar a tempo no aeroporto. Antes de se deitar já fizera essas contas: 30 minutos para tomar café, fumar um cigarro e finalmente tomar pequeno-almoço, 30 minutos para tomar banho e vestir-se, 45 minutos para chegar ao aeroporto, 1 hora como tempo mínimo para estar lá ante da voo.

Tudo somado dava cerca de 3 horas com as margens de segurança necessárias a que nada falhasse.

No entanto e porque este voo era demasiado importante, voltava a fazer as contas uma e outra vez, duvidando dele mesmo e da sua capacidade de raciocínio a esta hora da manhã.

Chegou ao aeroporto bem antes da hora que tinha previsto. O ambiente era o típico ambiente das manhãs em aeroportos, com pessoas ensonadas, um quase silêncio barulhento que enchia o hall de entrada iluminado ainda por lâmpadas amareladas e pela pouca claridade que começava já fazer-se sentir.

Verificava de cinco em cinco minutos o seu telemóvel onde estava o bilhete. Dirigiu-se ao seu balcão e fez o check-in despachando as duas malas que trazia. Como segurança,tinha imprimido o bilhete ; não fosse o telemóvel falhar na altura da passagem pelo controlo do aeroporto ou no embarque.

Chegado ao controlo, seguiu os rituais que já cumprira anos a fio, e sem pressas retirou o computador da pasta colocando-o num cesto de plástico azul, colocou o casaco, o relógio e o cinto noutro cesto e atravessou o pórtico sob o olhar de um segurança que pedia que o seu turno acabasse.
Depois de passar pela zona de controlo, dirigiu-se calmamente à sua porta de embarque, no número 33 e chegado lá, sentou-se e fechou os olhos.

Foi quando fechou os olhos que sentiu que estava finalmente a virar uma pagina da sua vida e que daqui para a frente nada seria igual. Despedia-se de dois anos de desemprego, de um casamento acabado e de uma vida em que o desespero se tornara rotina. Ia para outro país, outro Mundo. Um Mundo onde as suas capacidades ainda tinham algum valor e onde poderia finalmente sentir-se útil.

Despedira-se dos filhos no dia anterior com um até já sabendo que o “já” era bem mais que isso e que só os voltaria a ver daqui a alguns meses.

Quando decidira dar este passo sabia que o maior sacrifício seria deixar de ver os seus filhos durante meses e pesou bem a decisão antes de aceitar o convite que tinha recebido. Tentou amenizar a dor pensando que com as novas tecnologias, estaria ao virar de uma chamada de vídeo e que isso poderia minimizar a dor que iria sentir.

Sabia que isso não era verdade mas fingir também faz parte, com fingiu para eles,durante dois anos, que estava tudo bem e que tudo se ia resolver. Não se resolveu e como outros, teve de tomar a decisão que não queria.

Quando começaram a chamar os passageiros para embarcar, sentiu finalmente o peso do que estava a fazer e o seu estômago apertou-se de tal forma que sentiu vontade de vomitar. Olhou mais uma vez para o telemóvel e no seu bilhete digital estava escrito o nome do seu destino em letras que agora, pareciam brilhar e que o cegavam. Mas não eram as letras que o cegavam, eram as lágrimas ainda tímidas que lhe turvavam a vista.

A excitação da manhã transformara-se numa saudade imensa e num peso que lhe curvava os ombros.

Quando o avião finalmente levantou, fechou os olhos e chorou; chorou aquilo que não tinha chorado ainda desde que fora despedido. Chorou as lágrimas, que já velhas, estavam guardadas para este momento. O momento em que dizia Adeus a uma vida que tinha sido bem diferente daquilo que tinha imaginado, anos antes, quando conheceu a Mulher que viria a ser a mãe dos seus filhos. O casamento não aguentou as amarguras de uma vida que um dia tinha sido feliz.


Chorou e depois veio a calma que o adormeceu já o avião sobrevoava o Oceano rumo a ….. Algures, longe daqueles que Amava.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Lado B

Em tempos idos, reinavam os discos de vinil e entre eles, os singles. Para quem não se recorda, naquele tempo não se comprava música online e tínhamos de ir a uma discoteca comprar os discos de vinil. Os singles eram os discos mais pequenos com apenas uma música de cada lado.

Os singles, eram as músicas que serviam de aperitivo para o lançamento de um álbum e eram normalmente aquelas músicas mais fortes que ouvíamos sem parar até ao dia em que o disco passava para as prateleira das coisas que já não ouvíamos e comprávamos outro disco.

O que sempre me fascinou nos singles, era o “lado B”. Sempre achei que as bandas colocavam aí as verdadeiras pérolas, aquelas que os mais comuns mortais não iriam entender e aquelas que ficariam para além do fascínio imediato que as musicas do lado A ofereciam.

O meu fascínio pelo lado B na música, passou para o lado B da vida.

O lado B da vida são aqueles momentos que não sendo percebidos como tal no imediato são verdadeiras pérolas que ficam e resistem à usura do tempo muito melhor que o Lado A, mais visível mas que, como um fogo-de-artifício, desaparece ao som da última explosão.

O lado B pode ser um beijo furtivo, uma tarde de Amor sem velas nem Musica de fundo, Um abraço de despedida ou um simples olhar. O lado B está cheio de momentos que de uma forma indelével nos marcam sem deixar marcas. O lado B, normalmente, não tem lágrimas nem risos; tem olhos húmidos e sorrisos tímidos que vêm do mais fundo e aparecem sem pedir licença.


O meu lado B tem muitos destes momentos que resistiram à usura do tempo e muitas vezes ainda que sem o saber, vivo um Lado B, que de uma forma leve e tranquila, se vai juntar a outros que regularmente me visitam e me deixam um sabor agridoce por não ter percebido mais cedo o que aquele momento realmente era. 

Hoje, mais maduro, sou mais capaz de os identificar e de os viver como merecem mas alguns ainda se escapam entre os dedos para se aninhar no lugar que lhes é devido: no mais fundo da minha alma !