VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Cara ou Coroa

Sentiu como que uma brisa leve e cálida a acariciar-lhe a pele, que o fez acordar. Abriu os olhos com muito mais facilidade do que acontecia normalmente cada manhã. Não sentia sono, nem sequer aquelas dores que já faziam parte da rotina diária de um acordar difícil.

Olhou em redor e para o lado da cama onde deveria estar a sua mulher e estava vazio. Olhou para o relógio e onde deviam estar as horas, estavam 4 zeros a piscar como se tivesse faltado a luz na casa durante a noite.

De repente, o seu cérebro acusou uma anomalia que não processara quando olhou em redor e lembrou-se de uma massa escura no canto onde deveria estar um sofá claro.

Mais desperto, olhou para esse canto e sentado no sofá estava um homem, vestido de fato claro, gravata cinza com umas finas riscas e camisa branca imaculada, a sorrir.

Estranhamente não sentiu medo nem aquela presença o fez saltar. Havia algo de tranquilo naquela figura, naquele olhar, que o fez sentir-se calmo.

- Bom dia, disse o homem numa voz colocada mas serena.

- Quem és tu?

- Sou aquele que tu quiseres que eu seja; mas podes chamar-me de António, se quiseres; ou Francisco, ou outro nome qualquer.

Gilberto (sim, chamava-se Gilberto), olhou fixamente para o homem e continuava sem perceber.

- Olha, vou tentar explicar-te … sabes quando se fala em pessoas que tiveram a visita da “morte” ? Bem é quase a mesma coisa …

- Tu….Tu…. Tu és a Morte? Estou morto? Vou morrer? É por isso que estou sozinho no quarto? Onde está a minha mulher? Que lhe fizeste?

- Relaxa! A tua mulher está a dormir, assim como tu, na cama. O que vês à tua volta é uma representação do teu quarto, assim como eu sou a representação de uma figura que tu respeitas, com fato e camisa branca. Tudo isso é fictício! Eu não sou a Morte porque isso não existe; são coisas que inventamos.

- Inventaram a Morte?

- Sim, a morte não existe. Nem a pessoa com uma foice e corpo de esqueleto, nem a morte enquanto estado. Nada disto existe.

- Mas nós morremos! Os meus pais morreram! Morrem milhares de pessoas por dia!

- A morte de que falas é passar de um estado para outro, passar de On a Off. Morrer significa acabar, deixar de existir mas vocês continuam a existir. Entendes?

- Não !

- OK então vou tentar explicar. Imagina um jogo enorme jogado por milhões de jogadores em que vocês são o Jogo eu sou um dos jogadores. A minha estratégia neste momento passa por decidir se continuas a ser um dos meus peões ou se te transformo noutra personagem que me poderá ser mais útil no futuro. Simples não é? Tu és um conjunto de caracteres e um chip. Este chip passará para outro peão se já não me fores útil. No jogo, a tua mulher e os teus filhos chorarão a tua morte e a mesma condicionará a vida dos teus filhos para sempre. Eu, como jogador, tentarei usar isso em meu proveito e acumular pontos.

- Estás doido!

- Doem-te as costas? Tens sono? Sentes fome ou sede? Claro que não. Neste momento estás desligado do jogo ….

- Se é assim, como ganhas pontos nesse estúpido jogo?

- O meu objectivo e de outros como eu, é impedir que destruam a terra, enquanto outros fazem tudo para que isso aconteça. Para isso usamos artifícios, manhas, truques, Entendes? Quem achas tu que criou as religiões e os seus princípios de fazer o bem? E obviamente quem achas que está por detrás de alguns dos piores homens da história? O jogo é esse, e o tabuleiro é a Terra e vocês são os peões.
Este jogo já dura há milhares de anos mas estamos a perder, como sempre. Nunca conseguimos impedir que os homens façam merda a sério!

- Que vais então fazer comigo?

- Muito simples; vou fazer-te uma pergunta e vais responder. De acordo com a tua resposta, acordarás na tua cama ao lado da tua Mulher ou morres no jogo e depois decido como usar-te. A tua resposta dar-me-á pistas sobre a tua atitude no futuro. Em qualquer dos casos, não te lembrarás de nada quando voltares ao Jogo.

- E qual é a Pergunta? Eu quero ver os meus filhos crescerem, quero estar ao lado deles, quero estar ao lado da minha mulher, quero … sei lá! Não quero morrer!

- Então responde à seguinte pergunta: “Preferes Gelado de Chocolate ou de Baunilha?”

- Mas que pergunta estúpida é essa? Em que é que isso muda o que sou ou posso ser no futuro para a tua porcaria de jogo? Não te interessa saber antes, se sou uma boa pessoa?  Vais fazer depender a minha vida de uma decisão entre baunilha e chocolate? e se eu não responder ?

- Se não responderes, tiramos à sorte o teu futuro … cara ou coroa? Coroa ou cara ? Não achas isso pior?

- Não sei! O pior é que nem gosto de gelados!

- Então vamos à sorte! De certeza que é isso que queres?

- Não sei. Espera! Dá-me uma pista sobre a resposta certa.

- Não há respostas certas. Seja qual for a resposta acontecerá alguma coisa boa ou má para ti; mas mesma uma coisa boa para ti, pode ser má para outra pessoa. Tudo está interligado. Por isso esse jogo é difícil.

- Então, atira a moeda ao ar. Não quero fazer depender o destino de outra pessoa de uma pergunta estupida como essa! Eu quero cara!

- Cara para quê?

- Cara para continuar a viver.

Então o António atira uma moeda ao ar e enquanto ela vai rodando sobre si mesma, Gilberto tem o coração a bater a mil à hora! Parece que o tempo parou. Finalmente, depois daquilo que pareceu uma eternidade, a moeda chega ao chão e continua a rodar até que cai para um dos lados e …. Cara.

O coração de Gilberto parou e tudo ficou negro à sua volta durante segundos que pareceram dias. Abre os olhos lentamente e sente a dor nas costas que sempre lhe diz bom dia cada manhã. Sente o sono de uma noite mal dormida, e sente o calor da sua mulher que se mexe ligeiramente ao seu lado.

Senta-se na cama; O relógio marca 06.45 e já não pisca.

Levanta-se para ir passar água na cara, amaldiçoando a noite de copos do dia anterior que além de lhe ter dado uma horrível dor de cabeça, fez-lhe ter pesadelos a noite toda.

Caminha lentamente para a casa de banho e sente a sua mulher a acordar.


- Que moeda é esta na cama? Nunca vi nada disto. Uma moeda com duas caras? disse a mulher.

Gilberto olhou para o espelho e sorriu ... sem saber porquê .... 


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