Quando o despertador tocou não eram ainda 4.30 da manhã.
Parecia que tinha acabado há pouco de se deitar; e se o corpo pedia mais
descanso, a mente já fervilhava das emoções que ele sabia estarem para vir.
Enquanto fazia um café, calculava mentalmente o tempo
necessário para estar a tempo no aeroporto. Antes de se deitar já fizera essas contas:
30 minutos para tomar café, fumar um cigarro e finalmente tomar pequeno-almoço,
30 minutos para tomar banho e vestir-se, 45 minutos para chegar ao aeroporto, 1
hora como tempo mínimo para estar lá ante da voo.
Tudo somado dava cerca de 3 horas com as margens de
segurança necessárias a que nada falhasse.
No entanto e porque este voo era demasiado importante,
voltava a fazer as contas uma e outra vez, duvidando dele mesmo e da sua
capacidade de raciocínio a esta hora da manhã.
Chegou ao aeroporto bem antes da hora que tinha previsto. O
ambiente era o típico ambiente das manhãs em aeroportos, com pessoas ensonadas,
um quase silêncio barulhento que enchia o hall de entrada iluminado ainda por lâmpadas
amareladas e pela pouca claridade que começava já fazer-se sentir.
Verificava de cinco em cinco minutos o seu telemóvel onde
estava o bilhete. Dirigiu-se ao seu balcão e fez o check-in despachando as duas malas que trazia. Como segurança,tinha imprimido o bilhete ; não fosse o telemóvel falhar na altura da passagem pelo controlo do
aeroporto ou no embarque.
Chegado ao controlo, seguiu os rituais que já cumprira anos a fio, e sem
pressas retirou o computador da pasta colocando-o num cesto de plástico azul,
colocou o casaco, o relógio e o cinto noutro cesto e atravessou o pórtico sob o
olhar de um segurança que pedia que o seu turno acabasse.
Depois de passar pela zona de controlo, dirigiu-se calmamente
à sua porta de embarque, no número 33 e chegado lá, sentou-se e fechou os
olhos.
Foi quando fechou os olhos que sentiu que estava finalmente a
virar uma pagina da sua vida e que daqui para a frente nada seria igual.
Despedia-se de dois anos de desemprego, de um casamento acabado e de uma vida
em que o desespero se tornara rotina. Ia para outro país, outro Mundo. Um Mundo
onde as suas capacidades ainda tinham algum valor e onde poderia finalmente
sentir-se útil.
Despedira-se dos filhos no dia anterior com um até já
sabendo que o “já” era bem mais que isso e que só os voltaria a ver daqui a
alguns meses.
Quando decidira dar este passo sabia que o maior sacrifício seria
deixar de ver os seus filhos durante meses e pesou bem a decisão antes de aceitar
o convite que tinha recebido. Tentou amenizar a dor pensando que com as novas
tecnologias, estaria ao virar de uma chamada de vídeo e que isso poderia
minimizar a dor que iria sentir.
Sabia que isso não era verdade mas fingir também faz parte,
com fingiu para eles,durante dois anos, que estava tudo bem e que tudo se ia
resolver. Não se resolveu e como outros, teve de tomar a decisão que não
queria.
Quando começaram a chamar os passageiros para embarcar, sentiu
finalmente o peso do que estava a fazer e o seu estômago apertou-se de tal
forma que sentiu vontade de vomitar. Olhou mais uma vez para o telemóvel e no
seu bilhete digital estava escrito o nome do seu destino em letras que agora,
pareciam brilhar e que o cegavam. Mas não eram as letras que o cegavam, eram as lágrimas ainda tímidas que lhe turvavam a vista.
A excitação da manhã transformara-se numa saudade imensa e
num peso que lhe curvava os ombros.
Quando o avião finalmente levantou, fechou os olhos e chorou;
chorou aquilo que não tinha chorado ainda desde que fora despedido. Chorou as lágrimas, que já velhas, estavam guardadas para este momento. O momento em que
dizia Adeus a uma vida que tinha sido bem diferente daquilo que tinha
imaginado, anos antes, quando conheceu a Mulher que viria a ser a mãe dos seus
filhos. O casamento não aguentou as amarguras de uma vida que um dia tinha sido
feliz.
Chorou e depois veio a calma que o adormeceu já o avião
sobrevoava o Oceano rumo a ….. Algures, longe daqueles que Amava.
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