VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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terça-feira, 17 de maio de 2016

Partida

Quando o despertador tocou não eram ainda 4.30 da manhã. Parecia que tinha acabado há pouco de se deitar; e se o corpo pedia mais descanso, a mente já fervilhava das emoções que ele sabia estarem para vir.

Enquanto fazia um café, calculava mentalmente o tempo necessário para estar a tempo no aeroporto. Antes de se deitar já fizera essas contas: 30 minutos para tomar café, fumar um cigarro e finalmente tomar pequeno-almoço, 30 minutos para tomar banho e vestir-se, 45 minutos para chegar ao aeroporto, 1 hora como tempo mínimo para estar lá ante da voo.

Tudo somado dava cerca de 3 horas com as margens de segurança necessárias a que nada falhasse.

No entanto e porque este voo era demasiado importante, voltava a fazer as contas uma e outra vez, duvidando dele mesmo e da sua capacidade de raciocínio a esta hora da manhã.

Chegou ao aeroporto bem antes da hora que tinha previsto. O ambiente era o típico ambiente das manhãs em aeroportos, com pessoas ensonadas, um quase silêncio barulhento que enchia o hall de entrada iluminado ainda por lâmpadas amareladas e pela pouca claridade que começava já fazer-se sentir.

Verificava de cinco em cinco minutos o seu telemóvel onde estava o bilhete. Dirigiu-se ao seu balcão e fez o check-in despachando as duas malas que trazia. Como segurança,tinha imprimido o bilhete ; não fosse o telemóvel falhar na altura da passagem pelo controlo do aeroporto ou no embarque.

Chegado ao controlo, seguiu os rituais que já cumprira anos a fio, e sem pressas retirou o computador da pasta colocando-o num cesto de plástico azul, colocou o casaco, o relógio e o cinto noutro cesto e atravessou o pórtico sob o olhar de um segurança que pedia que o seu turno acabasse.
Depois de passar pela zona de controlo, dirigiu-se calmamente à sua porta de embarque, no número 33 e chegado lá, sentou-se e fechou os olhos.

Foi quando fechou os olhos que sentiu que estava finalmente a virar uma pagina da sua vida e que daqui para a frente nada seria igual. Despedia-se de dois anos de desemprego, de um casamento acabado e de uma vida em que o desespero se tornara rotina. Ia para outro país, outro Mundo. Um Mundo onde as suas capacidades ainda tinham algum valor e onde poderia finalmente sentir-se útil.

Despedira-se dos filhos no dia anterior com um até já sabendo que o “já” era bem mais que isso e que só os voltaria a ver daqui a alguns meses.

Quando decidira dar este passo sabia que o maior sacrifício seria deixar de ver os seus filhos durante meses e pesou bem a decisão antes de aceitar o convite que tinha recebido. Tentou amenizar a dor pensando que com as novas tecnologias, estaria ao virar de uma chamada de vídeo e que isso poderia minimizar a dor que iria sentir.

Sabia que isso não era verdade mas fingir também faz parte, com fingiu para eles,durante dois anos, que estava tudo bem e que tudo se ia resolver. Não se resolveu e como outros, teve de tomar a decisão que não queria.

Quando começaram a chamar os passageiros para embarcar, sentiu finalmente o peso do que estava a fazer e o seu estômago apertou-se de tal forma que sentiu vontade de vomitar. Olhou mais uma vez para o telemóvel e no seu bilhete digital estava escrito o nome do seu destino em letras que agora, pareciam brilhar e que o cegavam. Mas não eram as letras que o cegavam, eram as lágrimas ainda tímidas que lhe turvavam a vista.

A excitação da manhã transformara-se numa saudade imensa e num peso que lhe curvava os ombros.

Quando o avião finalmente levantou, fechou os olhos e chorou; chorou aquilo que não tinha chorado ainda desde que fora despedido. Chorou as lágrimas, que já velhas, estavam guardadas para este momento. O momento em que dizia Adeus a uma vida que tinha sido bem diferente daquilo que tinha imaginado, anos antes, quando conheceu a Mulher que viria a ser a mãe dos seus filhos. O casamento não aguentou as amarguras de uma vida que um dia tinha sido feliz.


Chorou e depois veio a calma que o adormeceu já o avião sobrevoava o Oceano rumo a ….. Algures, longe daqueles que Amava.

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