Quatro da manhã e espreito pela
janela. A chuva cai há horas e a rua deserta só ganha vida com os reflexos das
gotas de água sob a luz de candeeiros que já viram melhores dias.
Apesar do
quarto estar ainda quente, sinto um ligeiro frio provocado pela visão do
exterior.
Apetece-me fumar um cigarro mas tento resistir à tentação de vestir
um roupão e ir até à janela da cozinha.
Tenho vestida uma t-shirt velha,
quatro tamanhos acima do meu, deixando à vista partes de um corpo que eu sinto
como acabado, velho e que já não vejo como meu há muito tempo.
Não sei há quanto tempo estou
aqui a olhar para a rua a tentar esvaziar a mente e esquecer tudo nem que seja por
momentos. Tento concentrar-me nas gotas que brilham como pirilampos com uma
vida curta; demasiado curta pensava eu, demasiado…ou talvez não !
Queria que o amanhã não
existisse, queria que fosse um pesadelo e que estivesse neste momento a sonhar
comigo a olhar para a rua. Queria que me acordassem e me abraçassem dizendo que
está tudo bem.
Mas eu sei que não estou a
sonhar, sei que quando chegar a hora, tenha conseguido dormir ou não, terei de
enfrentar as pessoas que neste momento dormem tranquilamente porque não são eu.
Serei julgada, serei avaliada sem que tenham sequer ideia do esforço que faço
para esboçar aquilo que pode parecer um sorriso ou para simplesmente dizer “Bom
dia!”
Desde há muito tempo, todos os
dias são assim, iguais, uns após outros e sinto que não vale a pena estar aqui.
Viro-me para trás e na cama vazia, imagino aquele que já foi o meu homem e que algures, sozinho ou acompanhado, dorme tranquilamente,
sem suspeitar que nem ele escapou ao negro em que se transformou a minha vida.
O trabalho, a família, o Amor, O
Sexo, … Nada mais me faz feliz; tudo é
vazio e sem sentido e tento perceber: porquê?
Um problema químico, dizem eles,
enquanto escrevem uma receita que é suposto voltar a fazer-me sorrir, enquanto
estupidamente, sorriem também!
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