VISTO DAQUI.... NÃO SEI

VISTO DAQUI.... NÃO SEI

sábado, 12 de dezembro de 2015

Negro

Quatro da manhã e espreito pela janela. A chuva cai há horas e a rua deserta só ganha vida com os reflexos das gotas de água sob a luz de candeeiros que já viram melhores dias. 
Apesar do quarto estar ainda quente, sinto um ligeiro frio provocado pela visão do exterior. 
Apetece-me fumar um cigarro mas tento resistir à tentação de vestir um roupão e ir até à janela da cozinha.

Tenho vestida uma t-shirt velha, quatro tamanhos acima do meu, deixando à vista partes de um corpo que eu sinto como acabado, velho e que já não vejo como meu há muito tempo.

Não sei há quanto tempo estou aqui a olhar para a rua a tentar esvaziar a mente e esquecer tudo nem que seja por momentos. Tento concentrar-me nas gotas que brilham como pirilampos com uma vida curta; demasiado curta pensava eu, demasiado…ou talvez não !

Queria que o amanhã não existisse, queria que fosse um pesadelo e que estivesse neste momento a sonhar comigo a olhar para a rua. Queria que me acordassem e me abraçassem dizendo que está tudo bem.

Mas eu sei que não estou a sonhar, sei que quando chegar a hora, tenha conseguido dormir ou não, terei de enfrentar as pessoas que neste momento dormem tranquilamente porque não são eu. Serei julgada, serei avaliada sem que tenham sequer ideia do esforço que faço para esboçar aquilo que pode parecer um sorriso ou para simplesmente dizer “Bom dia!”

Desde há muito tempo, todos os dias são assim, iguais, uns após outros e sinto que não vale a pena estar aqui. Viro-me para trás e na cama vazia, imagino aquele que já foi o meu homem e que algures, sozinho ou acompanhado, dorme tranquilamente, sem suspeitar que nem ele escapou ao negro em que se transformou a minha vida.

O trabalho, a família, o Amor, O Sexo,  … Nada mais me faz feliz; tudo é vazio e sem sentido e tento perceber: porquê?

Um problema químico, dizem eles, enquanto escrevem uma receita que é suposto voltar a fazer-me sorrir, enquanto estupidamente, sorriem também!

Mas eu sei que amanhã será igual a hoje e dia após dia irei sofrer para parecer que não sofro, irei sorrir para não ter de chorar e chegando a noite, quando todos dormem e sonham eu irei olhar para a rua da janela do meu quarto esperando que o amanhã não chegue, até que um dia, seguramente o amanhã não chegará !


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