VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Deixa a luz acesa quando saires

- “Deixa a luza acesa quando saíres”

Foram estas palavras secas que terminaram uma relação de 12 anos.

Ele era possessivo, sim, mas ela via isto como uma forma de Amar. Uma forma pouco elegante, opressiva talvez, mas ainda assim, ela achava que ele iria mudar com o tempo, perceber que ela o amava e que não precisava de ser assim. 

Ela pensava isso há 12 anos e cada dia encontrava uma justificação para a sua forma de ser e de agir.

Foi com mágoa que foi deixando os amigos ao longo desta caminhada de 12 anos e um a um foram ficando na outra vida que ela ia abandonando para este Amor.

Já não se lembrava como era antes, como era quando tinha muitos amigos com quem saia e com quem se divertia nos finais de semana, nas férias e sempre que podia escapar ao seu trabalho monótono no Banco.

Naqueles tempos, faltava-lhe o Amor, faltava-lhe o ombro nos dias tristes, faltava-lhe o abraço nas noites frias de inverno, faltava-lhe o sexo que lhe encheria a alma e o corpo.

Foi o seu ar melancólico que a atraiu quando o via, dia após dia, no café onde almoçava, primeiro de vez em quando e depois cada vez mais amiúde.

 Ele tomava café, sozinho, enquanto olhava para o telemóvel, e parecia absorvido por assuntos sérios, talvez de trabalho, talvez pessoais. Vestia impecavelmente, com um look jovem e moderno. Barba sempre muito bem aparada. Sapatos sempre muito bem escolhidos e a brilhar.

Primeiro foram olhares furtivos, depois sorrisos mais descarados e cúmplices, até que um dia ele se sentou ao seu lado e conversaram durante alguns minutos sobre banalidades.
Durante algumas semanas foi assim, até que um dia combinaram jantar e depois veio uma noite em casa dele e sem saber como, passados uns meses estavam a viver juntos. A casa dele foi a opção por ser maior e mais perto do trabalho de cada um deles.

Foram 12 anos em que ela foi perdendo a sua identidade para passar a ser só a mulher dele. Foi um processo lento e longo em que ela não se apercebeu que as coisas iam mudando e que cada gesto que ela fazia, cada decisão que tomava, era para ele, só para ele. Era uma asfixia que durava há anos em que ela ia tendo cada vez menos ar mas em que se ia habituando ao ar rarefeito até que essa forma de respirar passou a ser natural.

Ela queria ter filhos e com isso acreditava que as coisas mudariam. Afinal ele amava-a e ela amava-o mais que tudo. Ele fazia-a feliz se estivesse feliz, e fazia-a sentir-se miserável se estivesse mal. Ela foi acreditando que isso era Amor e o tempo foi passando, sem filhos, sem que as coisas mudassem, a não ser para pior.

No entanto, até há dois dias atrás, ela Amava-o como nunca. Quando faziam Amor, ela entregava-se de tal forma que cada orgasmo a fazia sentir-se a mulher mais feliz do Mundo e o Mundo, naquele momento era unicamente aquele quarto.

Há dois dias atrás, discutiram sobre uma qualquer banalidade, como já era habitual e como sempre, ele esperava que ela acabasse por ceder, por calar. Naquele dia ela não cedeu, discutiu até ao limite das suas forças e num momento mais quente, viu  mão dele a levantar-se e viu na sua expressão que ele mesmo lutava interiormente para que a sua mão não baixasse e fosse embater na cara dela. Viu nos seus olhos aquilo que nunca tinha visto e naquele preciso momento, naquele segundo percebeu que aquele não era o seu lugar.

Baixou a cabeça e chorou. Chorou até esgotar as lágrimas e cair de cansaço na cama.
De manhã, ele acordou e beijou-a na face com um bom dia. Era Sábado.
Aquele beijo que a alimentava, até ontem, queimou como fogo na sua face ainda manchada da noite anterior.

Passou o dia em silêncio, cumprindo no entanto as tarefas habituais do final de semana. 

Foi quando ele se sentou a ver o futebol que ela foi para o quarto fazer uma mala pequena com o necessário para passar alguns dias. Escondeu a mala no armário e deitou-se. Dormiu tranquilamente nessa noite e nem o sentiu a deitar-se.

De manhã, ainda muito cedo, saiu da cama, vestiu-se, pegou na mala de dentro do armário e deixou-a junto à porta.

Voltou para o quarto e sussurrou-lhe ao ouvido.

“Vou embora”

Ele acordou, olhou para ela e percebeu que nem valia a perna argumentar.

“Deixa a luz acesa quando saíres”


Ela saiu do quarto, saiu de casa e saiu da vida dele. Na rua respirou como não respirava há 12 anos.

ABAIXO O GREGÓRIO !


 Por uma infeliz coincidencia, todos os anos, o ano acaba e começa um novo. Déja vu ! Já cansa. Por uma vez podia acabar um ano sem começar um novo ou andarmos para trás ou saltarmos 3 anos .....Mas não. Nesta coisa de finais de ano, reina a monotonia. 

O que muda? O calendário obviamente, e pouco mais.

No dia 31 de Dezembro, à meia-noite, comendo passas ou passando fome, as coisas não mudam. Bestas continuam a ser bestas e Filhos da Puta continuam a ser Filhos da Puta. Pode ser que um dia, uma lei diga que no dia 31/12 as pessoas sejam sujeitas a uma lavagem cerebral para deixarem de lado as merdas todas que fizeram durante o ano que acabou; mesmo assim, com o contador a zero, as pessoas não deixariam de ser quem são e passados algumas semanas continuariam a fazer o que faziam no ano anterior.

No dia 31/12 não acaba nada a não ser o calendário de 2016, que irá para o lixo. As agendas onde escrevíamos coisas importantes ao longo do ano já quase não existem e de cada ano fica apenas uma pasta no computador onde armazenamos as centenas de fotos que raramente voltaremos a ver.

No meu computador, onde existem pastas para quase todos os anos, elas vão aumentando de tamanho cada ano e os últimos anos já têm de ser divididos em meses. Alguns anos mais longínquos só têm direito a 2 ou 3 fotos amareladas que trazem à memória coisas que realmente marcaram.

As lembranças não estão dívidas em anos; lembramos do tempo do Liceu, do tempo da Universidade, da nossa infância, da infância dos nossos filhos; lembramos Amores e Desamores, lembramos as pessoas que entraram na nossa vida e as pessoas que se foram. Isto sim, coisas que nos mudaram e de onde saímos diferentes, maiores, melhores ou não. Entraremos em 2107 da mesma forma que saímos de 2106 e faremos juras e promessas vãs que não tencionamos cumprir. 

Lembramos do 1º beijo sem saber o ano, lembramos a primeira vez que fomos rejeitados sem querer saber o ano, lembramos anos sem saber quais foram. 

lembramos cheiros, lembramos toques, lembramos sentimentos que aconteceram talvez há muitos anos ou há poucos dias mas que não têm anos. 

Gostava de em 2107, cruzar-me com menos pessoas que não interessam e passar mais tempo com aqueles que Amo e que me fazem mudar. Gostava de em 2017 aproveitar mais momentos do que em 2016 e chegar ao fim do Ano sem querer que acabe.

Em 2016 vivi momentos únicos que podiam ser de 2015 ou de 2009, em 2016 vivi momentos de merda que podiam ser de qualquer ano e que seguramente continuarão a acontecer em 2107. Não é um qualquer Gregório que me vai ditar os dias em que mudo e os dias em que nada muda.


FELIZ 2017 

domingo, 25 de dezembro de 2016

O Natal foi embora

No dia 25 de Dezembro à noite, passada a euforia das compras e passado o tempo em família, volta a realidade.

O papel de embrulho volta a ser só papel, as luzes de Natal já são só luzes e a distância que encurtou nestes dias volta à sua medida de todos os dias e estica-se por mais 364 dias.

As prendas que recebemos passam a ser coisas que temos como tantas outras coisas que já temos.

Os livros irão repousar como objectos na mesa-de-cabeceira ou numa estante até que num outro qualquer dia do ano, ou nunca mais, voltem a ser livros. 

Muito serão só, e para sempre, uma lombada virada para nós, como lembrança de um Natal em que foram mais que papel.

O pinheiro, que marca o início da época de Natal, já pede para voltar para a caixa na garagem, onde não tem luzes nem enfeites e deitado, espera voltar a erguer-se.

Hoje, as músicas de Natal que ontem encantavam, já soam mal e arranham os ouvidos, as luzes empalidecem devagar, dizendo adeus e até para o Ano e no lixo acumulado em frente às casas, os póneis, as bolas de Natal e os pinheirinhos que trouxeram fantasia e sonhos debaixo de uma árvore na sala, são levados pelos homens de amarelo que misturam num único lugar, os sonhos e as desilusões de um Natal que já acabou.


Feliz próximo Natal.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Cara ou Coroa

Sentiu como que uma brisa leve e cálida a acariciar-lhe a pele, que o fez acordar. Abriu os olhos com muito mais facilidade do que acontecia normalmente cada manhã. Não sentia sono, nem sequer aquelas dores que já faziam parte da rotina diária de um acordar difícil.

Olhou em redor e para o lado da cama onde deveria estar a sua mulher e estava vazio. Olhou para o relógio e onde deviam estar as horas, estavam 4 zeros a piscar como se tivesse faltado a luz na casa durante a noite.

De repente, o seu cérebro acusou uma anomalia que não processara quando olhou em redor e lembrou-se de uma massa escura no canto onde deveria estar um sofá claro.

Mais desperto, olhou para esse canto e sentado no sofá estava um homem, vestido de fato claro, gravata cinza com umas finas riscas e camisa branca imaculada, a sorrir.

Estranhamente não sentiu medo nem aquela presença o fez saltar. Havia algo de tranquilo naquela figura, naquele olhar, que o fez sentir-se calmo.

- Bom dia, disse o homem numa voz colocada mas serena.

- Quem és tu?

- Sou aquele que tu quiseres que eu seja; mas podes chamar-me de António, se quiseres; ou Francisco, ou outro nome qualquer.

Gilberto (sim, chamava-se Gilberto), olhou fixamente para o homem e continuava sem perceber.

- Olha, vou tentar explicar-te … sabes quando se fala em pessoas que tiveram a visita da “morte” ? Bem é quase a mesma coisa …

- Tu….Tu…. Tu és a Morte? Estou morto? Vou morrer? É por isso que estou sozinho no quarto? Onde está a minha mulher? Que lhe fizeste?

- Relaxa! A tua mulher está a dormir, assim como tu, na cama. O que vês à tua volta é uma representação do teu quarto, assim como eu sou a representação de uma figura que tu respeitas, com fato e camisa branca. Tudo isso é fictício! Eu não sou a Morte porque isso não existe; são coisas que inventamos.

- Inventaram a Morte?

- Sim, a morte não existe. Nem a pessoa com uma foice e corpo de esqueleto, nem a morte enquanto estado. Nada disto existe.

- Mas nós morremos! Os meus pais morreram! Morrem milhares de pessoas por dia!

- A morte de que falas é passar de um estado para outro, passar de On a Off. Morrer significa acabar, deixar de existir mas vocês continuam a existir. Entendes?

- Não !

- OK então vou tentar explicar. Imagina um jogo enorme jogado por milhões de jogadores em que vocês são o Jogo eu sou um dos jogadores. A minha estratégia neste momento passa por decidir se continuas a ser um dos meus peões ou se te transformo noutra personagem que me poderá ser mais útil no futuro. Simples não é? Tu és um conjunto de caracteres e um chip. Este chip passará para outro peão se já não me fores útil. No jogo, a tua mulher e os teus filhos chorarão a tua morte e a mesma condicionará a vida dos teus filhos para sempre. Eu, como jogador, tentarei usar isso em meu proveito e acumular pontos.

- Estás doido!

- Doem-te as costas? Tens sono? Sentes fome ou sede? Claro que não. Neste momento estás desligado do jogo ….

- Se é assim, como ganhas pontos nesse estúpido jogo?

- O meu objectivo e de outros como eu, é impedir que destruam a terra, enquanto outros fazem tudo para que isso aconteça. Para isso usamos artifícios, manhas, truques, Entendes? Quem achas tu que criou as religiões e os seus princípios de fazer o bem? E obviamente quem achas que está por detrás de alguns dos piores homens da história? O jogo é esse, e o tabuleiro é a Terra e vocês são os peões.
Este jogo já dura há milhares de anos mas estamos a perder, como sempre. Nunca conseguimos impedir que os homens façam merda a sério!

- Que vais então fazer comigo?

- Muito simples; vou fazer-te uma pergunta e vais responder. De acordo com a tua resposta, acordarás na tua cama ao lado da tua Mulher ou morres no jogo e depois decido como usar-te. A tua resposta dar-me-á pistas sobre a tua atitude no futuro. Em qualquer dos casos, não te lembrarás de nada quando voltares ao Jogo.

- E qual é a Pergunta? Eu quero ver os meus filhos crescerem, quero estar ao lado deles, quero estar ao lado da minha mulher, quero … sei lá! Não quero morrer!

- Então responde à seguinte pergunta: “Preferes Gelado de Chocolate ou de Baunilha?”

- Mas que pergunta estúpida é essa? Em que é que isso muda o que sou ou posso ser no futuro para a tua porcaria de jogo? Não te interessa saber antes, se sou uma boa pessoa?  Vais fazer depender a minha vida de uma decisão entre baunilha e chocolate? e se eu não responder ?

- Se não responderes, tiramos à sorte o teu futuro … cara ou coroa? Coroa ou cara ? Não achas isso pior?

- Não sei! O pior é que nem gosto de gelados!

- Então vamos à sorte! De certeza que é isso que queres?

- Não sei. Espera! Dá-me uma pista sobre a resposta certa.

- Não há respostas certas. Seja qual for a resposta acontecerá alguma coisa boa ou má para ti; mas mesma uma coisa boa para ti, pode ser má para outra pessoa. Tudo está interligado. Por isso esse jogo é difícil.

- Então, atira a moeda ao ar. Não quero fazer depender o destino de outra pessoa de uma pergunta estupida como essa! Eu quero cara!

- Cara para quê?

- Cara para continuar a viver.

Então o António atira uma moeda ao ar e enquanto ela vai rodando sobre si mesma, Gilberto tem o coração a bater a mil à hora! Parece que o tempo parou. Finalmente, depois daquilo que pareceu uma eternidade, a moeda chega ao chão e continua a rodar até que cai para um dos lados e …. Cara.

O coração de Gilberto parou e tudo ficou negro à sua volta durante segundos que pareceram dias. Abre os olhos lentamente e sente a dor nas costas que sempre lhe diz bom dia cada manhã. Sente o sono de uma noite mal dormida, e sente o calor da sua mulher que se mexe ligeiramente ao seu lado.

Senta-se na cama; O relógio marca 06.45 e já não pisca.

Levanta-se para ir passar água na cara, amaldiçoando a noite de copos do dia anterior que além de lhe ter dado uma horrível dor de cabeça, fez-lhe ter pesadelos a noite toda.

Caminha lentamente para a casa de banho e sente a sua mulher a acordar.


- Que moeda é esta na cama? Nunca vi nada disto. Uma moeda com duas caras? disse a mulher.

Gilberto olhou para o espelho e sorriu ... sem saber porquê .... 


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Conto de Natal (2)

Chovia bastante e ele caminhava junto às montras para se abrigar. Montras carregadas de coisas: Roupas, brinquedos, perfumes, joias… tudo coisas!

Coisas enfeitadas com laços brilhantes, vermelhos quase todos, e quase sempre numa cama de neve artificial de esferovite. Todos os natais era a mesma coisa, repetia-se a cena e os lojistas antecipavam cada vez mais o Natal de forma a arredondarem o final de ano e aproveitar a onda consumista que invadia as pessoas.

Ele continuava a caminhar para um lugar que poucos conheciam e que não tinha o brilho das lojas das ruas comerciais que ele atravessava naquela altura.

As ruas iam ficando cada vez menos iluminadas enquanto ele se afastava do centro; cada vez menos lojas, cada vez menos pessoas, cada vez mas cinzento e molhado. Já não ouvia as músicas que cada loja expelia durante a sua já longa caminhada.

Enquanto andava pensava em coisas, coisas que tinham preenchido os seus Natais durante anos e anos. Coisas que ele carregava para casa com a alma cheia como se estivesse a carregar Amor; mas eram só coisas.

Foi quando, numa altura difícil da vida dele, deixou de poder comprar coisas e só podia mesmo carregar Amor quando voltava para casa, que se apercebeu que estas coisas não eram nada como o Amor. Eram coisas que se desvaneciam com a aurora, que perdiam o brilho com as primeiras luzes do dia seguinte. Eram só coisas!

A chuva caia cada vez mais forte e ele já roçava as paredes dos prédios velhos, onde já não existiam lojas, nem luzes, nem Musica.

Chegado ao largo, viu as carrinhas velhas abertas e o burburinho de costume. Velhos e menos velhos esperavam já numa longa fila que também ela roçava as paredes, procurando algum abrigo para a chuva qua caía.

O cheiro a comida enchia o ar.

Já conhecia a maior parte deles e sorria enquanto caminhava para uma das carrinhas.
- Boa noite, lançou para o ar com um sorriso.

Passadas que foram quase duas horas, fez o caminho de volta. A chuva tinha parado e ele caminhava lentamente, saboreando este início de noite, enquanto começava a chegar às ruas carregadas de luzes, musica e coisas, muitas coisas.

Entrou no carro, sentou-se, acendeu um cigarro pensou em como iria para casa cheio de Amor e não de coisas. Como ir ajudar todas as semanas, os mais desfavorecidos naquelas carrinhas e servir comida lhe enchia muito mais a alma que todas as coisas que já tinha comprado noutros Natais.

Deitou o cigarro pela janela e conduziu para casa