Chegou o dia em que partiu …
Era um dia como outro qualquer. Naquele
dia a máquina dele falhou como falham os motores dos carros e sem aviso prévio
nem notificações, ele já não estava vivo.
Não teve tempo de fazer um
balanço nem de se despedir; talvez fosse melhor assim, talvez ….
A sua vida não ficará marcada na
história e talvez nem sequer numa lápide. Saiu como entrou, sem alarido, sem
choro e sem lágrimas.
Irá ser lembrado como alguém que
não tem por que ser lembrado e será esquecido rapidamente por aqueles que já
hoje mal se lembram da sua existência.
Talvez tenha vivido demais,
porque quem morre jovem é normalmente relembrado com tristeza e com saudades.
Ele já tinha visto partir todos aqueles que podiam sentir saudades e aqueles
que se lembram dele já não têm a certeza daquilo que ainda se conseguem
lembrar.
Os últimos anos foram passados em
viagens curtas da cama para o sofá e por vezes até à janela para ver as
estações a passarem. O Ritmo só era quebrado, raramente, para ir a um funeral
de alguém de quem ainda se lembrava vagamente, alguém mais velho ou alguém mais
frágil.
Tinha enterrado há muito tempo
aquela que fora o seu Amor, num dia de chuva, em que outros, que ainda se lembravam
deles, o acompanharam em silêncio. E desde esse dia, este silêncio passou a ser
quebrado apenas pelo tic-tac do relógio que, na sala, lhe indicava que o tempo
dele se estava a esgotar-se e pelo arrastar dos pés que já mal aguentavam
aquele corpo cansado.
Os dias sucediam-se quase sempre iguais,
quebrando-se apenas a monotonia, em raras visitas daquela que outrora fora a
sua família mas que também já o tinha esquecido, como todos os outros. Ele
ainda gostaria das visitas, se as visitas não fossem só visitas. Eram uma
obrigação que eles cumpriam como um ritual e que a ele, já nada dizia, porque
na maior parte dos dias, esquecia-se que tinha família.
Se alguém fizesse o balanço da
vida dele, seguramente que encontraria muitas razões para que a mesma fosse
lembrada: muita luta, muitos sacrifícios para que os seus filhos tivessem o que
ele não teve, Muito Amor, feito em silêncio numa casa demasiado pequena, muitas lágrimas escondidas porque naquele tempo um homem não chorava; a felicidade de
ver os filhos a crescer, os netos a nascer, uma casa cheia de gente que hoje já
não sabe sequer da sua existência.
A sua vida, Foi também, um
trabalho que fez com perícia e amor até que o seu corpo não lho permitisse.
Mas para isso, para que a sua vida
fosse mais que uma lápide ou vaga recordação, era preciso que alguém se
lembrasse, porque ele agora, já tinha partido. Com ele partiu uma vida feita de
tudo aquilo que as vidas costumam ser feitas e no final tudo ficaria reduzido a
uma caminhada em silêncio até ao cemitério mais próximo por aqueles que o
fariam por obrigação ou porque não tinham coisa melhor para fazer.
Sem holofotes, sem choros, em
silêncio e sem lágrimas ......Como fora a vida dele.
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