VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Chegou o dia em que partiu

Chegou o dia em que partiu …

Era um dia como outro qualquer. Naquele dia a máquina dele falhou como falham os motores dos carros e sem aviso prévio nem notificações, ele já não estava vivo.
Não teve tempo de fazer um balanço nem de se despedir; talvez fosse melhor assim, talvez ….

A sua vida não ficará marcada na história e talvez nem sequer numa lápide. Saiu como entrou, sem alarido, sem choro e sem lágrimas.

Irá ser lembrado como alguém que não tem por que ser lembrado e será esquecido rapidamente por aqueles que já hoje mal se lembram da sua existência.

Talvez tenha vivido demais, porque quem morre jovem é normalmente relembrado com tristeza e com saudades. Ele já tinha visto partir todos aqueles que podiam sentir saudades e aqueles que se lembram dele já não têm a certeza daquilo que ainda se conseguem lembrar.

Os últimos anos foram passados em viagens curtas da cama para o sofá e por vezes até à janela para ver as estações a passarem. O Ritmo só era quebrado, raramente, para ir a um funeral de alguém de quem ainda se lembrava vagamente, alguém mais velho ou alguém mais frágil.

Tinha enterrado há muito tempo aquela que fora o seu Amor, num dia de chuva, em que outros, que ainda se lembravam deles, o acompanharam em silêncio. E desde esse dia, este silêncio passou a ser quebrado apenas pelo tic-tac do relógio que, na sala, lhe indicava que o tempo dele se estava a esgotar-se e pelo arrastar dos pés que já mal aguentavam aquele corpo cansado.

Os dias sucediam-se quase sempre iguais, quebrando-se apenas a monotonia, em raras visitas daquela que outrora fora a sua família mas que também já o tinha esquecido, como todos os outros. Ele ainda gostaria das visitas, se as visitas não fossem só visitas. Eram uma obrigação que eles cumpriam como um ritual e que a ele, já nada dizia, porque na maior parte dos dias, esquecia-se que tinha família.

Se alguém fizesse o balanço da vida dele, seguramente que encontraria muitas razões para que a mesma fosse lembrada: muita luta, muitos sacrifícios para que os seus filhos tivessem o que ele não teve, Muito Amor, feito em silêncio numa casa demasiado pequena, muitas lágrimas escondidas porque naquele tempo um homem não chorava; a felicidade de ver os filhos a crescer, os netos a nascer, uma casa cheia de gente que hoje já não sabe sequer da sua existência.

A sua vida, Foi também, um trabalho que fez com perícia e amor até que o seu corpo não lho permitisse.

Mas para isso, para que a sua vida fosse mais que uma lápide ou vaga recordação, era preciso que alguém se lembrasse, porque ele agora, já tinha partido. Com ele partiu uma vida feita de tudo aquilo que as vidas costumam ser feitas e no final tudo ficaria reduzido a uma caminhada em silêncio até ao cemitério mais próximo por aqueles que o fariam por obrigação ou porque não tinham coisa melhor para fazer.


Sem holofotes, sem choros, em silêncio e sem lágrimas ......Como fora a vida dele.

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