VISTO DAQUI.... NÃO SEI

VISTO DAQUI.... NÃO SEI

domingo, 25 de novembro de 2018

Fórmulas



Toda as pessoas, hoje, procuram formulas para tudo. Formulas para emagrecer, fórmulas para enriquecer, fórmulas para a felicidade…

Todas estas fórmulas são atalhos para um caminho que devemos percorrer na íntegra sob pena de as coisas não correrem como queremos.

Podemos emagrecer seguindo um qualquer regime milagroso que o facebook nos apresenta ou podemos seguir os passos lógicos que são de ter cuidado na alimentação e aumentar o exercício físico. 

Um deles tem muito mais probabilidades de sucesso do que o outro e assegura-nos que estamos no caminho correcto.

Livros de auto-ajuda com verdades incontornáveis vendem-nos receitas milagrosas e querem nos fazer crer que basta acreditar em nós para ter sucesso.

 É obviamente falso, se assim fosse o número de pessoas de sucesso seria igual aos milhões de livros vendidos.  

Este preâmbulo serve para falar de felicidade e da sua busca, mas sobretudo do encontro da mesma. A felicidade é normalmente encontrada longe de onde achamos ou acharam por nós, que ela estaria. Podemos encontra-la no local ou na pessoa mais improvável e não há caminho ou atalho que nos sirva para chegarmos lá.

Não há escolha certa nessa busca, a não ser a escolha de sermos nós mesmos e de olharmos sem filtros para o Mundo. São esses filtros que muitas vezes nos escondem os caminhos e as pessoas onde poderemos encontrar a felicidade ou alguma felicidade.

Estes filtros são-nos colocados por tudo aquilo que vivemos antes, pelo que nos rodeia e por tudo aquilo que nos “vendem” como sendo a escolha segura, a escolha certa, o caminho único que não é mais que o caminho que segue a maioria. 

Uma maioria que é infeliz e que nos apresenta uma felicidade falsa em que queremos acreditar. Somos mais um, de um rebanho que vai do ponto A ao ponto B sem olhar para as múltiplas opções que a vida nos dá todos os dias, sem tempo de olharmos para onde pode estar a nossa felicidade.

Aprendemos desde cedo a ter medo de divergir, medo de sermos ousados, medo de sermos nós mesmo. Para encontrar a felicidade (e não para procurar) devemos ousar e talvez possamos encontrar ao longo do caminho os ingredientes da receita mais complicada de todas. 

Mas mesmo com todos os ingredientes e como acontece em qualquer receita, é necessário engenho e sabedoria para cozinhá-los como deve ser

A felicidade é o único prato que tem uma infinidade de receitas e em que nenhuma pode ser repetida.

A felicidade não se procura, encontra-se, mas só se nos prepararmos para a ver

A felicidade e é um estado e como qualquer estado não é absoluto nem definitivo. É na felicidade que a gramática nos ajuda, nunca somos felizes…estamos felizes!

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

E se ?

Nas curvas e encruzilhadas de uma vida e quando vasculhamos o passado vem muitas vezes a pergunta: E se ?

E se …Naquele momento tivesse cedido ?

E se …tivesse recusado?

E se… ?



Nem sempre é um lamento, nem sempre é uma mágoa; muitas vezes é a constatação tardia que a vida teve sempre mais opções que aquelas que julgávamos ter à disposição.

Muitas vezes, no momento, as opções parecem únicas e falta o recuo que nos permite ver que existem quase sempre mais.

A nossa vida e a dos outros é afectada por decisões que tomamos e que são aquelas que julgamos serem as melhores no momento.

Por vezes achamos que isso mudaria alguma coisa mas muitas vezes não mudaria absolutamente nada.

Vivi uma situação assim quando cruzei, anos atrás, uma pessoa. Era uma pessoa de um passado distante que me tinha marcado e passou a fazer parte de um imaginário do presente e quem sabe, do futuro.

Muitas vezes pensei que se naquele momento tivesse ido falar com ela, poderia ter começado uma bela história. Fantasiei muito com esse momento, e sem querer, transformei uma ideia numa certeza e aquela Mulher passou a ocupar um espaço na minha vida, que estava vazio.

Tive a oportunidade de remendar a situação com alguns anos de atraso e, enchendo-me de coragem, fui falar com ela. Foi uma tentativa de responder ao “ E se ?” e de fintar um destino descobrir respostas onde só havia perguntas.

Depois do encontro, a resposta não poderia ter sido mais clara.

Se, anos antes, tivesse ido falar com ela, ela teria sumido rapidamente do meu imaginário, 
transformando-se numa realidade vazia e insípida que teria desvanecido em pouco tempo; o mesmo tempo que a fez ganhar proporções que não merecia nos meus sonhos e anseios.

A resposta ao meu “ E se? ” era evidente. mas oposta ao que eu imaginava. 

Muitas vezes a resposta á pergunta é bem menos interessante do que a própria pergunta e do que aquilo que pensámos, mas são estes “ E se? ” que nos fazem muitas vezes sonhar e só por isso valem a pena.

Uma vida sem “ E se?” , seria uma vida fatalista. Nas horas mais negras necessitamos acreditar que tudo poderia ter sido diferente. Ao escrever este texto, relembro muitos momentos de decisões que teriam feito da minha uma vida toda uma outra vida.

E se nada isso importa ?
E se a nossa vida está traçada com um destino previamente definido ?
E se todos os  “ E se?” fossem só uma forma de sonharmos e acreditarmos que controlamos a nossa vida ?


E se assim não for ?

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Amores comparados


Depois de um grande Amor que se foi, porque todos os Amores acabam de uma forma ou de outra, tendemos a comparar as pessoas que cruzamos e que nos tocam,  com o “tal” Amor. Tentamos reconstruir nas cinzas do Amor Que se foi, um Amor novo à semelhança do outro.

Somos demasiadas vezes injustos com a “nova” pessoa porque é na singularidade que está a beleza e na unicidade que está a riqueza de uma relação, de um Amor.

Nenhum Amor novo poderá ter a presença de um Amor que durou. O amor deixou marcas em cada despedida, em cada reencontro, em cada fotografia, em cada móvel!

O novo Amor, por mais forte que seja, por melhor que seja ainda é … novo! Ainda irá ter de deixar a sua marca em coisas que tocaremos, em momentos que viveremos e um dia será esse o Amor velho, se assim o tempo o permitir.

Este erro (comparar) será tanto mais comum quanto mais forte terá sido o Amor ido e quanto mais sentimos a falta dele.

O novo Amor não será nunca uma cópia do anterior nem se assemelhará ao próximo porque os momentos são diferentes, as pessoas são diferentes.

Mesmo com a mesma pessoa o Amor teria sido diferente. O Amor é condicionado pelo tempo em que aparece, pelas circunstâncias em que cresce e seria sempre único se o momento fosse diferente.

Não Amo hoje como Amei no passado. Amo hoje como a minha vida me fez Amar, somando as experiências, que incluem os meus Amores passados.

O meu Amor de hoje “deve” a todos os meus Amores de ontem que me fizeram crescer, aprender com os erros e ser o que sou hoje.

Talvez chore um pouco mais tarde,

Talvez me proteja mais e te proteja mais

Talvez seja mais sincero

Talvez seja mais eu do que fui, e menos do que serei, se voltar a Amar

Temos menos a perder quando Já Amamos e mais a ganhar com um novo Amor.

O Tempo (mais uma vez o Tempo) faz-nos ser outros, sendo o mesmo.

Quando uma caricia tua é “só” uma caricia, e um Beijo teu, “só” um beijo e quando o teu nome soar tão familiar quanto o meu, estou pronto a Amar de novo e nesse momento, só nesse momento, o Amor antigo funde-se de forma indelével passa a fazer parte de mim, fazer parte do que sou. Não nos comparamos porque somos nós mesmos.

É quando não comparamos mais, que estamos prontos.


Parece simples … mas não é!

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Um abraço

Foi num aeroporto, misturado na linha das pessoas que esperam os seus, vindos de longe; um dia de chuva e frio que se sentia, mesmo naquele ambiente aquecido, a luz era cinzenta naquela manhã de inverno.

Eu era um elemento estranho que esperava quem não conhecia; eras, ainda, umas fotografias, umas palavras trocadas, uma imagem que se foi formando ao longo de 3 semanas, 3 meses ou 3 anos. Serias real? Serias uma sombra da imagem que eu projectava?

Naquele momento, filhos esperavam pais e corriam na sua direcção quando os viam. Pais esperavam filhos com os olhos humedecidos pela saudade. Cruzavam-se várias línguas naqueles poucos metros quadrados. Eu, ao contrário de todos, esperava quem nunca tinha visto, quem nunca tinha tocado. Não tinha placa com o teu nome, só a tua cara na minha cabeça, e a cada minuto, o meu coração batia mais rápido enquanto via a sucessão de pessoas a sair, buscando o olhar familiar de quem os esperava.

Passados minutos ou horas, sei lá… vi-te chegar… levantaste a cabeça por um instante e viste-me; sorriste e voltaste a por os olhos no chão. Estavas linda! Eu estava nervoso, enquanto tentava encontrar a pose certa, quando não havia pose certa. Como esperamos alguém que não conhecemos mas de quem já gostamos? Não existe em nenhum manual.
Era uma experiência nova para mim, para ti e acredito que para quase todas as pessoas.

Dois beijinhos na face.. Não era apropriado.

Um beijo nos lábios… demasiado.

Dar a mão.. Seria desconfortável.

Um abraço pareceu a coisa certa.. Amigos abraçam-se, amantes abraçam-se, familiares abraçam-se e até desconhecidos se podem abraçar.

Deste abraço recordarei sempre o calor e o cheiro. Não foi demasiado apertado nem demasiado ligeiro como poderia ter sido. Foi um abraço em que pela primeira vez nos sentimos, tu, com a cara escondida no meu peito, sem jeito, como dizes, e eu com a cabeça enfiada no teu cabelo a sentir o bater do teu coração, compassado e rápido e a misturar-se com o meu.

Foi demorado, menos pela vontade do abraço que pelo embaraço que seria, sair dele e termos de falar pela primeira vez.

Saíste dele para voltar a enfiar os olhos numa chávena de café gigante e intragável de onde de vez em quando fugias para esboçar um sorriso que logo me cativou e onde fiquei preso até hoje.

Não sei o que dissemos, nem sequer é importante. Tínhamos ambos medo, medo de estarmos enganados, mero da hora seguinte, medo de termos que falar. Éramos íntimos estranhos se isso é possível e essa mistura que tinha sido fácil de gerir até esse momento passou a ser uma montanha para escalar.

Entre esse momento e o abraço seguinte, junto ao mar, passou uma eternidade e foi logo aí que o tempo começou a ter vontade própria… até hoje.

Esse abraço foi inesquecível. Encaixamos como a última peça de um puzzle gigante. Parecia que tínhamos sido moldados por um escultor, para que, cada saliência de um, encaixasse na perfeição no espaço do outro.

O frio do vento que vinha do mar era compensado pelo calor na alma e foi assim que senti pela pela primeira vez a certeza que havia algo mágico neste encontro de duas pessoas que tinham tudo para nunca se cruzarem.

Durante muito tempo foi “só”um abraço, uma troca de cheiros como dois animais; daqueles momentos únicos em que deixamos de ser quem somos e quem fomos e voltamos ao mais básico da humanidade, sem filtros, sem apetrechos.

Estávamos nus, nus da alma e do ser. Não era suposto beijarmos-nos mas o toque do meu lábio no canto do teu, enquanto te desviavas, teve o sabor de mil beijos. Mil beijos ainda não trocados mas que sabíamos que iam ser maravilhosos.

Quando senti finalmente o sabor da tua boca, os teus lábios húmidos, foi como se essa boca, essa língua e esses lábios tivessem sido meus desde sempre. Beijamos como dois amantes se beijam, como duas bocas que se conhecem e se reencontram na sofreguidão de uma saudade que tardava em ser desfeita.

Isto aconteceu há anos ou aconteceu há dias. Que importa? O tempo faz o quer de nós e brinca connosco desde esse dia, encolhe o nosso tempo juntos e estica-o quando estamos longe.

O tempo e o espaço deixaram de ser uma realidade física mensurável para ser alguma coisa que sentimos da forma que eles querem, como eles querem.


Qualquer distância é enorme quando não te toco e qualquer momento é infinito quando não estamos juntos. Desde há anos, desse há dias… Quem sabe?

terça-feira, 10 de abril de 2018

O tempo contado

Quando contamos o tempo, contamos os dias, as horas e os minutos e se ainda tivermos tempo, talvez os segundos.

Será o tempo a soma de todas estas parcelas ou Pode o tempo ser muito mais que isso?

Será que já é tempo? Será que temos tempo?

Numa madrugada fria, quando sair da tua cama quente, será sempre cedo demais por mais tarde que seja e será sempre mais fria que outra madrugada fria… coisas do tempo!

Nesta dança de ponteiros que se divertem a andar mais rápido quando não olhamos, o tempo passa, o tempo foge e cada minuto que passou não volta e fica perdido para sempre na eternidade onde se já se escondem todos os segundos que passaram.

Um dia pode ser muito mais que um dia quando não te vejo e um dia pode ser uma hora quando estou contigo. O tempo que passa não é igual ao tempo que sinto e nesta confusão de tempos, o nosso tempo é Já.

Quanto tempo até ser tempo do tempo não ser problema?

Uma hora pode bastar, uma vida pode não ser suficiente e o tempo que passa, já passou e fica-nos o tempo que sobra até o nosso tempo acabar.

Hoje, passado algum tempo (muito ou pouco … não sei dizer) desde o dia em que o tempo começou a contar, os relógios enlouqueceram, os pêndulos balançam sem parar e os segundos atropelam minutos que batem nas horas dos dias que passam uns após outros sem nos apercebermos. 

Desde aquela Madrugada em que fui cedo demais passou tanto tempo e passaram tantas madrugadas, com tanto frio, que Já nem sei se o Tempo ainda é Tempo ou se se mudou para outro lugar. 

quinta-feira, 22 de março de 2018

As minhas estantes do IKEA


Um dia, sem saber como (mais ou menos) somos pais … passamos de dispensáveis a indispensáveis… e isso muda completamente a nossa vida.

A transição de filhos para pais não é suave e custa muito.

Não deixamos de ser filhos e irmãos, 
obviamente, mas a nosso estado principal passa a ser “pai” ou “mãe”.

As noites sem dormir, as manhãs de fim-de-semana que acabam, a valorização de 5 minutos de silêncio como se de ouro se tratasse são algumas das coisas transitórias que com o passar do tempo se desvanecem e são substituídas por outras coisas, como as notas da escola, as noites de desassossego enquanto a fechadura da porta não dá sinal, a “escolha” dos amigos, etc..

Estas sucessões de “coisas” são só o cimento que cola o resto, que é a essência do que é ser PAI.
A listagem de “coisas” é extensa e a aprendizagem é contínua porque eles não vêm com Manual de instruções e são ligeiramente mais complicados que um móvel do IKEA. Mantendo a analogia, é como se comprássemos uma estante e ela viesse sem parafusos, sem livro e sem ferramentas. Será sempre uma estante porque a soma das partes assim o obriga mas será tanto mais sólida quando a qualidade dos parafusos que formos colocando e tanto mais perfeita quanto o amor que colocamos na sua construção e o tempo que lhe dedicarmos.

A essência de ser pai, é o descobrir da nossa própria mortalidade e as suas consequências, a essência de ser pai é encontrar forças onde não sabíamos que existiam, a essência de ser pai é passar as nossas prioridades para segundo ou terceiro plano sem mágoas.

Descobrimos isso no dia em que um pequeno ser frágil olha para nós e nos enche de algo que desconhecíamos e com a qual ninguém nos ensinou a lidar.

Quando saia da clínica poucas horas depois do nascimento, e numa época onde os cintos de segurança eram ainda um adereço, “algo” me forçou a colocar o cinto antes de arrancar. Eu já não era só eu, eu éramos nós.

Sem cordão, sem parto e sem 9 meses de gravidez, acabava de dar à luz e acabava de mudar para sempre a minha vida, sem retorno, até hoje, até sempre.


 As minhas estantes ainda não estão acabadas mas tentei escolher os melhores parafusos que consegui e coloquei todo o Amor possível na sua construção e hoje se quisesse, acho que já conseguia colocar-lhe uns livros em cima sem que caissem..

sábado, 10 de março de 2018

Queres ?

Celebrou-se há pouco o dia da Mulher … 

Opiniões divididas, como sempre, sobre este assunto. 

Uns acham que não faz sentido porque não deveria haver dia da Mulher como não há dia do Homem e que este dia é uma “validação” da diferença.
 Outros acham que a história ainda justifica que esse dia existe porque hoje ainda subsistem diferenças na sociedade que justificam esse dia.
A minha opinião é um misto das duas e o que eu gostava era que não houvesse sequer necessidade desse tipo de discussões. A realidade, infelizmente, desmente-me.

Alguém dizia, num artigo de jornal, que se exigíssemos que as mulheres, todas as mulheres, fossem tratadas como gostaríamos que fosse tratada as nossas filhas, haveria uma mudança de comportamentos na sociedade.

Homens e Mulheres não são iguais e não quero que sejam tratados de igual forma; gostava que fossem tratados com o mesmo respeito pelas suas diferenças e com iguais oportunidades num mundo ainda demasiado machista, mesmo nas sociedades ocidentais onde as várias constituições já conferem há anos a “igualdade”.

Quero que minha filha cresça num Mundo onde haja iguais oportunidades e onde reconheçam que diferenças são diferenças e não um atestado de inferioridade ou de superioridade.

Quero que minha filha cresça num Mundo onde o movimento “Me too” seja desnecessário, e em que não se confunda sedução com assédio.

Mas também quero que a minha filha cresça num Mundo onde um homem possa cortejar, flirtar e mostrar a uma Mulher que a quer ou que a deseja sem que isso seja ofensivo só por si.

Quero que a minha filha cresça num Mundo onde uma Mulher possa dizer não, mas onde possa ter oportunidade de dizer sim a alguém que lhe diz “ queres? ”

Quero que a minha filha cresça num Mundo onde haja um dia da Mulher que seja a celebração da Mulher e não uma chamada de atenção para a desigualdade.


Quero que a minha filha cresça num Mundo onde uma Mulher possa dizer SIM, onde possa dizer NÃO e que as suas vontades sejam respeitadas, mesmo de que depois de um NÃO, venha um “ Tens a certeza?”. Quantas vezes dissemos “NÃO” e desejaríamos que a outra pessoa tivesse insistido?


O Mundo não é simples e homens e Mulheres são mais complexos que um simples SIM ou NÃO.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

este não dorme lá



Ela estava deitada na cama e pelas frestas da persiana adivinhava a chegada do dia. A escuridão da noite dava lugar, lentamente, a uma claridade ténue que, pouco a pouco deixava ver as sombras do quarto. 

As roupas espalhadas pelo chão pareciam parte de corpos inertes, actores mortos de uma peça de teatro trágica no último ato.


Só que naquele momento as cortinas não iriam baixar, nem a peça terminaria. Neste teatro, a peça estava a meio. 

Ela sentia-o a seu lado, ouvia-o respirar mas não ousava virar-se, nem sequer mexer.

Fechou mais uma vez os olhos, esperando que quando os abrisse de novo, estivesse noutra peça; numa peça em que estava sozinha e acordava, como todos os dias dos últimos meses, sozinha. 

Queria tomar um café, espreitando pela janela o início de dia, vendo crianças a sair de casa ensonadas, de mochilas às costas, arrastadas pelos braços de pais, atrasados para o trabalho.

Queria tomar um banho e sentir a água quente a percorrer-lhe a pele enquanto o vapor se acumulava como nevoeiro. 

Queria aquela vida que ontem não queria, quando decidiu encontrar-se com um desconhecido.

Na rifa da aplicação do seu telemóvel, saiu-lhe um homem com bom aspecto e de conversa agradável; nesse mesmo dia, tomaram um copo num bar afastado, na mesa do canto. Ele dizia ser solteiro e ela não se importava de acreditar.

Não era romance que ela queria.  

Ele falava mas mais que as suas palavras era a sua voz que importava; era tranquilo, seguro e com dentes bonitos. 

Enquanto ele falava de si, da sua vida, falsa ou verdadeira, pouco importava, ela olhava para os seus olhos, para a sua boca e para as suas mãos.

Imaginava-se numa cama com ele e tudo lhe parecia bem, normal.

Há meses que não sentia o toque de uma pele que não fosse a sua, o toque de um sexo que não fosse o seu. Precisava de se entregar, precisava de se perder e perder, nem que fosse por minutos, a consciência de quem era e de onde estava.

Quando ela saiu para o encontro, estava nervosa mas quando saíram do bar estava tranquila e assim ficou quando o levou para casa dela.

Não falaram muito e quando as roupas começaram a espalhar-se no cão do quarto, ela deixou-se ir nas mãos de este amante de ocasião, sem reservas, sem medos. 

O sexo foi bom. Ele sabia o que fazia e ela gostou que ele soubesse. Como numa dança ele conduziu e ela dançou com ele, seguindo o ritmo e os seus passos. Quando acabou, ele foi à janela fumar um cigarro e ela foi tomar um banho. 

Voltou e deitou-se na cama esperando que ele fosse embora. Ela não conhecia o protocolo, as regras de encontros fortuitos e ficou a observá-lo com os olhos semicerrados fingindo um cansaço que não existia como fingira o ultimo orgasmos para acabar. 

Ele deitou-se ao seu lado e encaixando-se, passou-lhe o braço à volta do corpo, pousado sobre o peito. Passaram muitos minutos sem que alguém falasse até que ela sentiu a respiração mais lenta e cadenciada e percebeu que ele estava a dormir. 

Foi neste momento que ela sentiu um vazio enorme. Queria que aquele momento tivesse terminado quando terminou o sexo e que ele tivesse ido embora.

Agora passadas umas horas, sem que adormecesse, e de costas viradas para ele ela pensou que nunca mais faria isso, que não valia a pena o vazio no final.

Ela queria romance, queria Amor, queria partilhar a cama e não o sexo. Queria ter vontade que a pessoa ao seu lado ficasse para o resto do dia para o resto da sua vida. O vazio que ela sentia não valia o que tinha sentido naquela noite.

Ele acordou pouco depois e ela fingia dormir ainda. Ele vestiu-se em silêncio e foi embora. Ela adormeceu finalmente.

O dia passou tranquilo.Ela conseguiu tomar o seu café à janela e depois um banho demorado. Mais tarde saiu para a realidade do dia e mergulhou nos barulhos da cidade como sempre fazia.

No final do dia, ao entrar no carro depois do trabalho, e sem pensar duas vezes, pegou no tlm; “ Que se f… !!” pensou, Mas este não dorme lá.

Foi o Fim















Foi o fim e nem tinha começado
Foi o começo sem ter acabado
Foi uma história,
Sem as histórias
Que te queria contar.
Um, Dois, Três, Quatro …
A contagem parou cedo demais.
Não era só um conto,
Que te queria contar.
Era mais longo 
Tinha inicio, meio e fim
Era uma história
Com histórias pelo meio
Para contar.
Um
Dois
Três
Quatro
…Um milhão.
Mas o inicio 
Foi o fim e nem tinha começado.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

CICATRIZES

“O Tempo só existe para não acontecer tudo ao mesmo tempo” . Esta frase não é minha e li-a em qualquer lado, mas por vezes relembro-a quando faz sentido, e faz muitas vezes.

Podemos medir muita coisa em função do tempo mas podemos medir sentimentos pelo tempo que duram?

Seria como definir a fisionomia de uma pessoa só pela altura ou só pelo peso e o resultado dessa medição seria incompleto.

Já todos vivemos loucas paixões quase instantâneas e já todos vivemos Amores em banho-maria. Viver um Grande Amor por muito tempo é obra e não está ao alcance e todos e nem todos tiveram a sorte de o viver.

Hoje, mais que ontem, penso que o tempo é só mais um factor de uma equação muito complexa. Como decidimos que uma paixão, uma relação uma noite ou até só um beijo, são importantes?

Talvez quando eles deixam uma marca indelével no mapa da nossa vida, um pouco como aquelas medidas na parede que os nossos pais faziam para ver o nosso crescimento.

Essas marcas são, em nós, cicatrizes que as relações nos deixam e quanto mais profunda a cicatriz, mais importante ela foi. A cicatriz pode ser longa e pouco profunda ou pode ser pequena e ser um sulco como que marcado a fogo! Quando acabam, doem, por vezes muito, por vezes muito pouco e outras, simples arranhões não resistirão ao nascer do dia.  

É com estas cicatrizes que crescemos e aprendemos; é olhando para elas que fazemos, talvez, um balanço do que foi a nossa vida.

Muitas vezes, sozinhos numa escuridão completa, passamos as pontas dos dedos pelas cicatrizes e relembramos momentos únicos, como se estivéssemos a ler a nossa vida em braille.

Algumas vezes estamos com alguém que ainda não deixou a sua marca e discretamente relemos a nossa vida, passando o dedo pelas cicatrizes e sonhando com mais algum.

O tempo não apaga os sulcos mas torna-os menos pronunciados, menos intensos, e sulcos mais recentes tendem a ocupar o seu lugar até eles próprios se tornarem menos profundos.

Não vivemos sem essas cicatrizes, muitas, poucas, longas ou algumas do tamanho de um ponto… são elas que nos definem, são elas que nos dizem quem somos a cada momento.


Eu sei que algumas cicatrizes mais profundas que tive, hoje já não são tão profundas e outras, que hoje ainda me marcam, serão apenas lembranças daqui a algum tempo, mas na escuridão saberei sempre como foram, como me marcaram e marcaram a minha vida, como doeram ou não doeram, enquanto os arranhões, esses,  serão apagados uns após outros não deixando marcas.