VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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segunda-feira, 13 de março de 2017

Legado

Gostaria de um dia olhar para trás e perceber que deixei alguma coisa que perdure? Será que deixar a nossa marca é assim tão importante? Será que a deixamos de todo?

Podemos deixar filhos, deixar livros, deixar musica, deixar um legado qualquer que fixe o nosso nome para mais algum tempo depois de irmos, mas seja o que for que deixamos para trás, não somo nós.

Um filho é uma pessoa que pusemos no Mundo e que ajudamos a adaptar a algo que ele não pediu, a vida. Eles ficarão depois de nós e mais tarde farão possivelmente o mesmo aos filhos deles e seguirão ou não os nossos conselhos e ensinamentos, fazendo as suas próprias escolhas. 
Nunca deixaram de ser eles, desde o momento em que nasceram, nunca serão “nós” por mais que tentemos ou queiramos. Deixaremos o nosso nome, se for caso disso, no final do nome deles, mas não ficaremos através dele. 
Não são um legado que deixamos, são pessoas que herdaram de nós aquilo que fomos capazes de dar, bom ou mau e que vivem a sua vida individual, como vivemos a nossa; com escolhas, com más decisões e mais boas decisões se tiverem sorte.

Um livro escrito deixa um nome na capa e deixa no interior um pedaço de quem somos ou talvez não. 
Existe talento que não depende da Alma e livros que não são mais que o resultado de um longo processo criativo aprendido e amadurecido que põe no papel aquilo que as pessoas querem ler. Queremos acreditar que está lá o autor mas não é assim e o que fica é só um nome numa ou em muitas capas. Claro que os mais puristas dirão que cada livro é um pedaço do seu autor, mas um livro é menos que isso. Um livro é um pedaço de um pedaço da vivência do seu autor e nunca será mais que isso.

Falemos de Musica, de Cinema, de cidades inteiras, de países ou até de guerras … nada nos deixa ficar para trás, nada nos impede de irmos e de simplesmente deixarmos o nosso nome como marca máxima no Mundo onde já não estamos. Crer em mais que isso é iludir-nos e fantasiar sobre imortalidade.

Por isso não faço questão que o meu nome perdure, simplesmente porque eu não vou perdurar; gostava que fosse lembrado, gostava que as pessoas soubessem pelo menos durante algum tempo mais, quem eu era e gostava que aqueles que Amo ficassem com algo de mim que seja positivo e os ajude a construir o seu “Eu”. 

Mais do que isso é pedir algo parecido com a Imortalidade e a Imortalidade é muito aborrecida.

Para aqueles que se perguntam: qual é o sentido da vida? Porque estamos cá? Respondo que o sentido da vida é a própria morte. A vida só tem sentido se tiver um fim, senão não tem razão de ser. Se tivéssemos a eternidade para acertar e para fazer o correcto, deixaríamos sempre para depois porque teríamos tempo, demasiado tempo para errar. 


Sem Morte, a Vida seria a própria Morte. 

segunda-feira, 6 de março de 2017

Sonho

7 da manha.

O despertador diz-lhe que se tem de levantar mas o seu corpo diz que não. Mais uns minutinhos pensa … só mais uns minutinhos.

Na cabeça confusa entre a noite e o dia, as boas sensações da noite sonhada ainda se sobrepõem à realidade do dia que começa; e é neste limbo entre a realidade e o sonho que passa os minutos que separam o primeiro toque do despertador do que agora se faz ouvir e que obriga o seu corpo a reagir, ainda que devagar.

Com uma mão levanta a roupa da cama e com a outra desliga aquele barulho ensurdecedor.

A pouco e pouco o sonho vai desaparecendo da sua mente, apagando-se como se apaga uma música, baixando lentamente o volume, até não ficar sequer a mínima lembrança do que lhe provocou aquela sensação de paz e de bem-estar.

Está frio.

A água quente do chuveiro acorda-a definitivamente enquanto o café está já a perfumar o pequeno apartamento.

Depois de vestir umas calças e uma camisola leve de verão, vai à cozinha, descalça, seguindo o aroma do café que começou a ser feito à hora marcada.

Acende um cigarro e com uma chávena na mão, vai até à janela ver o dia a começar finalmente a ser dia. No prédio em frente ao dela, as luzes já acesas desenham uma espécie de palavras cruzadas sem soluções. Sorri a pensar em palavras que coubessem naquelas luzes acesas.

O corpo vai arrefecendo depois do banho quente e o frio volta enquanto o café quente se acaba na chávena grande, que segura com as duas mãos.

É neste preciso momento que lhe vem tudo outra vez, como um flash, o sonho que lhe encheu a noite e do qual acordou em paz.

Relembrou as pessoas, os locais e sobretudo lembrou-se dele. Ele estava lá, com aquele sorriso que tantas vezes lhe encheu a alma, com aqueles olhos cor de amêndoa que pareciam conter um universo dentro deles.

Ela lembra-se do sorriso e do riso; ela lembra-se do cheiro; ela lembra-se dele como ela era antes de tudo acontecer. Era sempre assim no sonho, tinha sido assim muito tempo, na Vida.

Hoje, ele já não está e visita-a por vezes nos seus sonhos e no entanto, cada vez menos quando está acordada. O tempo vai apagando a dor e a falta, mas não apaga a memória nem as lembranças. As visitas são mais raras porque a vida continua e a dor deu lugar à saudade. A dor é contínua mas a saudade vai e vem como uma brisa fria numa noite amena. Vai e vem, vem cada vez menos e vai cada vez mais.

Hoje faria anos, hoje seria um dia feliz, hoje seria outro dia diferente do dia que vai ser hoje porque hoje, ele não está.

Volta para a cama e tapa-se com os cobertores; chora, chora como já não chorava há algum tempo. Chora em silêncio. Não chora de dor porque a dor já se foi, chora porque sim, porque lhe apetece chorar e tenta voltar a sentir debaixo dos cobertores, o que sentia há pouco quando de lá saiu. Mas a sensação não volta, nem com o calor dos lençóis, nem com as lágrimas.


Ele voltará quando lhe apetecer ......como sempre voltou ..