VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O nome dele

Há talvez mais de 20 anos que frequento aquele supermercado. Mudou de nome, mudou de produtos, mudou a facilidade de estacionar, mas ficou o hábito de ir lá e quando por alguma razão vou a outro lado sinto-me fora de casa; os mesmos produtos parecem diferentes, menos apetecíveis, as pessoas menos simpáticas.

Desde há uns 15 anos, nesse supermercado,  o mesmo arrumador, quase religiosamente, vem ter comigo quando eu chego. Sabe que nunca lhe dou nada antes de sair do supermercado mas sabe que lhe dou sempre alguma coisa. Terá entre 40 e 50 anos escondidos debaixo daquela barba e sujidade que lhe esconde a idade.

Quando chego cumprimenta-me, diz algumas banalidades sobre o tempo ou sobre política e depois de eu estacionar, vai á sua vida, ajudar outras pessoas que chegam. Mostra ter alguma cultura e seguramente teve uma boa educação que se lhe revê em pequenos detalhes.

No final, sempre educado, espreita a minha saída e seja carrinho de compras ou sacos, vem a correr ajudar. Recordo a minha filha chateada, numa fase em que ela ainda queria ajudar e trazer os sacos leves que eu fazia para ela, ficar aborrecida porque ele não a deixava chegar ao carro com eles.
Eu explicava-lhe que ele queria justificar o dinheiro que eu lhe dava no fim, antes de entrarmos no carro e antes de ele mandar parar o trânsito, qual polícia, para eu sair do estacionamento.

Já o apanhei mais alcoolizado que o normal e nesses dias não lhe dei dinheiro, dando-lhe antes algo para comer. Já conversamos sobre muitas coisas, sempre a correr. Ele já me contou que de vez em quando os pais o vêm buscar e colocar numa clínica de reabilitação de onde ele volta outra vez para a entrada do supermercado que é onde se sente "livre". 

Fizemos um pacto há algum tempo em que eu só lhe dava dinheiro uma vez por semana e ele vinha ter comigo na mesma, nos outros dias, dizendo: “- Eu sei! Já me deu esta semana, mas ajudo na mesma. Você é um gajo porreiro.”

Por vezes conta-me das suas aventuras das noites frias de inverno que não sei onde passa.

Quando falta alguns dias preocupo-me e fico atento a ver se o vejo nas minhas idas ao supermercado. 

Se passo por lá por outra razão, levanta a mão e diz bom dia com um aceno e um sorriso falho de muitos dentes.

Uma vez esteve internado 15 dias e quando voltou, foi com alívio que o vi vir na minha direcção. Perguntei o que se tinha passado e ele contou-me da sua pneumonia ainda mal curada, na rua e no álcool.

Cumprimenta-me por vezes com mãos tão sujas que fico a olhar para elas a pensar onde andaram mas nunca tive coragem de lhe negar um aperto de mãos quando ele a estende.

É uma presença familiar num local que frequento há muitos anos e tenho a certeza que ele sente o mesmo.


15 Anos, centenas de pequenas conversas, centenas de vezes em que lhe dei dinheiro sem esperar que ele o pedisse e no entanto, hoje, quando saia do supermercado, qual cliente VIP, com direito a paragem de trânsito e num dia em que ele falou da morte do Mário Soares enquanto punha os sacos no meu carro, reparei que nunca lhe tinha perguntado o nome …..

LAÇOS

Por vezes julgamos, definimos ou avaliamos as relações por sentimentos: Amamos, gostamos, odiamos, aturamos, respeitamos, etc..

A variedade de sentimentos é grande e a variabilidade dos mesmos ao longo do tempo também é grande. Hoje gostamos, amanhã amamos e talvez daqui a uns anos odiemos. O que sentimos em relação a uma pessoa é algo de passageiro, efémero por vezes, demorado em alguns casos, mas nunca definitivo. 

O que dois idosos sentem um pelo outro no final de uma vida em conjunto não é seguramente igual ao que sentiram quando muitos anos antes eram ainda vigorosos amantes ou quando, recuando ainda mais no tempo, trocavam os primeiros beijos.

O que distingue realmente uma relação são os laços, uma palavra que em português não tem o peso que tem noutros línguas. “Laço” é o laço de uma prenda ou o laço de um cordão de sapato e não as amarras que unem duas pessoas para sempre.

Quando dobramos uma barra de ferro até um certo ponto, ela volta ao seu formato original, se dobrarmos um pouco mais, a dobra ficará para sempre.

Quando existe um laço entre duas pessoas, passa-se a mesma coisa e é nesta altura que a relação atinge um ponto de não-retorno.

Quando nos une um laço com outra pessoa, as coisas mudam para sempre. As diferenças, aquilo que não gostamos ou gostamos menos, os gestos, as desilusões e tudo aquilo que faz parte de uma relação passam a estar dentro do “laço”. Um desgosto passa a ser só um desgosto e não um Adeus. Uma desilusão traz vontade de mudar e de fazer o outro mudar mas tudo fica dentro do laço.

Quando a soma de todos as desilusões e desamores obriga a uma separação, a dor é mais forte porque entre eles há um laço e este laço ficará. O Adeus não é um verdadeiro Adeus, mas antes, um até já. Estarão juntos noutro registo e com outros sentimentos ou talvez só juntos na ausência física um do outro, mas sabem que o laço está lá

Pode haver retorno no sentimento mas ficarão ligados para sempre. Nesta fase, o “eu” e o “tu” passam a ser “nós” e fundem-se. Poderão não ser um casal daqui a algum tempo, poderão não ser um “nós”, como os definimos normalmente, mas nunca mais serão um “eu” e um “tu”.


Acredito que ao longo de uma vida e no que a relações amorosas diz respeito, criamos muitos poucos laços por mais que amemos. Alguns terão criado um único laço e sentir-se-ão felizes com isso, outros terão criado dois ou três e serão igualmente felizes. Os Amores vão e vêm, esquecem-se e desvanecem ao longo de uma vida mas os laços ficam para sempre.