VISTO DAQUI.... NÃO SEI

VISTO DAQUI.... NÃO SEI

domingo, 25 de fevereiro de 2018

este não dorme lá



Ela estava deitada na cama e pelas frestas da persiana adivinhava a chegada do dia. A escuridão da noite dava lugar, lentamente, a uma claridade ténue que, pouco a pouco deixava ver as sombras do quarto. 

As roupas espalhadas pelo chão pareciam parte de corpos inertes, actores mortos de uma peça de teatro trágica no último ato.


Só que naquele momento as cortinas não iriam baixar, nem a peça terminaria. Neste teatro, a peça estava a meio. 

Ela sentia-o a seu lado, ouvia-o respirar mas não ousava virar-se, nem sequer mexer.

Fechou mais uma vez os olhos, esperando que quando os abrisse de novo, estivesse noutra peça; numa peça em que estava sozinha e acordava, como todos os dias dos últimos meses, sozinha. 

Queria tomar um café, espreitando pela janela o início de dia, vendo crianças a sair de casa ensonadas, de mochilas às costas, arrastadas pelos braços de pais, atrasados para o trabalho.

Queria tomar um banho e sentir a água quente a percorrer-lhe a pele enquanto o vapor se acumulava como nevoeiro. 

Queria aquela vida que ontem não queria, quando decidiu encontrar-se com um desconhecido.

Na rifa da aplicação do seu telemóvel, saiu-lhe um homem com bom aspecto e de conversa agradável; nesse mesmo dia, tomaram um copo num bar afastado, na mesa do canto. Ele dizia ser solteiro e ela não se importava de acreditar.

Não era romance que ela queria.  

Ele falava mas mais que as suas palavras era a sua voz que importava; era tranquilo, seguro e com dentes bonitos. 

Enquanto ele falava de si, da sua vida, falsa ou verdadeira, pouco importava, ela olhava para os seus olhos, para a sua boca e para as suas mãos.

Imaginava-se numa cama com ele e tudo lhe parecia bem, normal.

Há meses que não sentia o toque de uma pele que não fosse a sua, o toque de um sexo que não fosse o seu. Precisava de se entregar, precisava de se perder e perder, nem que fosse por minutos, a consciência de quem era e de onde estava.

Quando ela saiu para o encontro, estava nervosa mas quando saíram do bar estava tranquila e assim ficou quando o levou para casa dela.

Não falaram muito e quando as roupas começaram a espalhar-se no cão do quarto, ela deixou-se ir nas mãos de este amante de ocasião, sem reservas, sem medos. 

O sexo foi bom. Ele sabia o que fazia e ela gostou que ele soubesse. Como numa dança ele conduziu e ela dançou com ele, seguindo o ritmo e os seus passos. Quando acabou, ele foi à janela fumar um cigarro e ela foi tomar um banho. 

Voltou e deitou-se na cama esperando que ele fosse embora. Ela não conhecia o protocolo, as regras de encontros fortuitos e ficou a observá-lo com os olhos semicerrados fingindo um cansaço que não existia como fingira o ultimo orgasmos para acabar. 

Ele deitou-se ao seu lado e encaixando-se, passou-lhe o braço à volta do corpo, pousado sobre o peito. Passaram muitos minutos sem que alguém falasse até que ela sentiu a respiração mais lenta e cadenciada e percebeu que ele estava a dormir. 

Foi neste momento que ela sentiu um vazio enorme. Queria que aquele momento tivesse terminado quando terminou o sexo e que ele tivesse ido embora.

Agora passadas umas horas, sem que adormecesse, e de costas viradas para ele ela pensou que nunca mais faria isso, que não valia a pena o vazio no final.

Ela queria romance, queria Amor, queria partilhar a cama e não o sexo. Queria ter vontade que a pessoa ao seu lado ficasse para o resto do dia para o resto da sua vida. O vazio que ela sentia não valia o que tinha sentido naquela noite.

Ele acordou pouco depois e ela fingia dormir ainda. Ele vestiu-se em silêncio e foi embora. Ela adormeceu finalmente.

O dia passou tranquilo.Ela conseguiu tomar o seu café à janela e depois um banho demorado. Mais tarde saiu para a realidade do dia e mergulhou nos barulhos da cidade como sempre fazia.

No final do dia, ao entrar no carro depois do trabalho, e sem pensar duas vezes, pegou no tlm; “ Que se f… !!” pensou, Mas este não dorme lá.

Foi o Fim















Foi o fim e nem tinha começado
Foi o começo sem ter acabado
Foi uma história,
Sem as histórias
Que te queria contar.
Um, Dois, Três, Quatro …
A contagem parou cedo demais.
Não era só um conto,
Que te queria contar.
Era mais longo 
Tinha inicio, meio e fim
Era uma história
Com histórias pelo meio
Para contar.
Um
Dois
Três
Quatro
…Um milhão.
Mas o inicio 
Foi o fim e nem tinha começado.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

CICATRIZES

“O Tempo só existe para não acontecer tudo ao mesmo tempo” . Esta frase não é minha e li-a em qualquer lado, mas por vezes relembro-a quando faz sentido, e faz muitas vezes.

Podemos medir muita coisa em função do tempo mas podemos medir sentimentos pelo tempo que duram?

Seria como definir a fisionomia de uma pessoa só pela altura ou só pelo peso e o resultado dessa medição seria incompleto.

Já todos vivemos loucas paixões quase instantâneas e já todos vivemos Amores em banho-maria. Viver um Grande Amor por muito tempo é obra e não está ao alcance e todos e nem todos tiveram a sorte de o viver.

Hoje, mais que ontem, penso que o tempo é só mais um factor de uma equação muito complexa. Como decidimos que uma paixão, uma relação uma noite ou até só um beijo, são importantes?

Talvez quando eles deixam uma marca indelével no mapa da nossa vida, um pouco como aquelas medidas na parede que os nossos pais faziam para ver o nosso crescimento.

Essas marcas são, em nós, cicatrizes que as relações nos deixam e quanto mais profunda a cicatriz, mais importante ela foi. A cicatriz pode ser longa e pouco profunda ou pode ser pequena e ser um sulco como que marcado a fogo! Quando acabam, doem, por vezes muito, por vezes muito pouco e outras, simples arranhões não resistirão ao nascer do dia.  

É com estas cicatrizes que crescemos e aprendemos; é olhando para elas que fazemos, talvez, um balanço do que foi a nossa vida.

Muitas vezes, sozinhos numa escuridão completa, passamos as pontas dos dedos pelas cicatrizes e relembramos momentos únicos, como se estivéssemos a ler a nossa vida em braille.

Algumas vezes estamos com alguém que ainda não deixou a sua marca e discretamente relemos a nossa vida, passando o dedo pelas cicatrizes e sonhando com mais algum.

O tempo não apaga os sulcos mas torna-os menos pronunciados, menos intensos, e sulcos mais recentes tendem a ocupar o seu lugar até eles próprios se tornarem menos profundos.

Não vivemos sem essas cicatrizes, muitas, poucas, longas ou algumas do tamanho de um ponto… são elas que nos definem, são elas que nos dizem quem somos a cada momento.


Eu sei que algumas cicatrizes mais profundas que tive, hoje já não são tão profundas e outras, que hoje ainda me marcam, serão apenas lembranças daqui a algum tempo, mas na escuridão saberei sempre como foram, como me marcaram e marcaram a minha vida, como doeram ou não doeram, enquanto os arranhões, esses,  serão apagados uns após outros não deixando marcas.