VISTO DAQUI.... NÃO SEI

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sexta-feira, 27 de julho de 2018

Um abraço

Foi num aeroporto, misturado na linha das pessoas que esperam os seus, vindos de longe; um dia de chuva e frio que se sentia, mesmo naquele ambiente aquecido, a luz era cinzenta naquela manhã de inverno.

Eu era um elemento estranho que esperava quem não conhecia; eras, ainda, umas fotografias, umas palavras trocadas, uma imagem que se foi formando ao longo de 3 semanas, 3 meses ou 3 anos. Serias real? Serias uma sombra da imagem que eu projectava?

Naquele momento, filhos esperavam pais e corriam na sua direcção quando os viam. Pais esperavam filhos com os olhos humedecidos pela saudade. Cruzavam-se várias línguas naqueles poucos metros quadrados. Eu, ao contrário de todos, esperava quem nunca tinha visto, quem nunca tinha tocado. Não tinha placa com o teu nome, só a tua cara na minha cabeça, e a cada minuto, o meu coração batia mais rápido enquanto via a sucessão de pessoas a sair, buscando o olhar familiar de quem os esperava.

Passados minutos ou horas, sei lá… vi-te chegar… levantaste a cabeça por um instante e viste-me; sorriste e voltaste a por os olhos no chão. Estavas linda! Eu estava nervoso, enquanto tentava encontrar a pose certa, quando não havia pose certa. Como esperamos alguém que não conhecemos mas de quem já gostamos? Não existe em nenhum manual.
Era uma experiência nova para mim, para ti e acredito que para quase todas as pessoas.

Dois beijinhos na face.. Não era apropriado.

Um beijo nos lábios… demasiado.

Dar a mão.. Seria desconfortável.

Um abraço pareceu a coisa certa.. Amigos abraçam-se, amantes abraçam-se, familiares abraçam-se e até desconhecidos se podem abraçar.

Deste abraço recordarei sempre o calor e o cheiro. Não foi demasiado apertado nem demasiado ligeiro como poderia ter sido. Foi um abraço em que pela primeira vez nos sentimos, tu, com a cara escondida no meu peito, sem jeito, como dizes, e eu com a cabeça enfiada no teu cabelo a sentir o bater do teu coração, compassado e rápido e a misturar-se com o meu.

Foi demorado, menos pela vontade do abraço que pelo embaraço que seria, sair dele e termos de falar pela primeira vez.

Saíste dele para voltar a enfiar os olhos numa chávena de café gigante e intragável de onde de vez em quando fugias para esboçar um sorriso que logo me cativou e onde fiquei preso até hoje.

Não sei o que dissemos, nem sequer é importante. Tínhamos ambos medo, medo de estarmos enganados, mero da hora seguinte, medo de termos que falar. Éramos íntimos estranhos se isso é possível e essa mistura que tinha sido fácil de gerir até esse momento passou a ser uma montanha para escalar.

Entre esse momento e o abraço seguinte, junto ao mar, passou uma eternidade e foi logo aí que o tempo começou a ter vontade própria… até hoje.

Esse abraço foi inesquecível. Encaixamos como a última peça de um puzzle gigante. Parecia que tínhamos sido moldados por um escultor, para que, cada saliência de um, encaixasse na perfeição no espaço do outro.

O frio do vento que vinha do mar era compensado pelo calor na alma e foi assim que senti pela pela primeira vez a certeza que havia algo mágico neste encontro de duas pessoas que tinham tudo para nunca se cruzarem.

Durante muito tempo foi “só”um abraço, uma troca de cheiros como dois animais; daqueles momentos únicos em que deixamos de ser quem somos e quem fomos e voltamos ao mais básico da humanidade, sem filtros, sem apetrechos.

Estávamos nus, nus da alma e do ser. Não era suposto beijarmos-nos mas o toque do meu lábio no canto do teu, enquanto te desviavas, teve o sabor de mil beijos. Mil beijos ainda não trocados mas que sabíamos que iam ser maravilhosos.

Quando senti finalmente o sabor da tua boca, os teus lábios húmidos, foi como se essa boca, essa língua e esses lábios tivessem sido meus desde sempre. Beijamos como dois amantes se beijam, como duas bocas que se conhecem e se reencontram na sofreguidão de uma saudade que tardava em ser desfeita.

Isto aconteceu há anos ou aconteceu há dias. Que importa? O tempo faz o quer de nós e brinca connosco desde esse dia, encolhe o nosso tempo juntos e estica-o quando estamos longe.

O tempo e o espaço deixaram de ser uma realidade física mensurável para ser alguma coisa que sentimos da forma que eles querem, como eles querem.


Qualquer distância é enorme quando não te toco e qualquer momento é infinito quando não estamos juntos. Desde há anos, desse há dias… Quem sabe?